A fetichização dos relacionamentos entre mulheres é um tópico pouco pautado tanto no movimento LGBT quanto nos debates feministas, mas esse é um problema sério enfrentado por lésbicas e mulheres bissexuais.
Pergunte a uma amiga que se relaciona com mulheres quantas vezes ela já ouviu a frase “posso participar?” de homens inconvenientes e você provavelmente vai se surpreender com a resposta. Ou então pergunte sobre ~elogios~ clássicos como “nossa, acho lindo ver duas mulheres se beijando, que delícia”.
Episódios desse tipo fazem parte do interminável leque de situações desagradáveis pelas quais as mulheres passam no dia a dia, mas a fetichização dos relacionamentos entre mulheres têm desdobramentos muito particulares. Não é apenas sobre assédio, mas também sobre a desvalidação do amor entre mulheres e sobre uma falsa – e tóxica – ilusão de que lésbicas e mulheres bissexuais são mais aceitas na sociedade do que os homens que se relacionam com outros homens.
A ~aceitação~ do cara que quer participar do beijo entre duas mulheres é uma farsa, pois no momento em que a resposta é “não” as coisas mudam de figura. Ele só ~aceita~ a ver duas mulheres juntas quando as vê de maneira objetificada.
E, nesse contexto, a violência se manifestada em agressões que vão desde o xingamento verbal até, o lesbocídio, além do chamado estupro corretivo. Muita gente ainda desconhece essa categoria de violência sexual, mas é fácil de compreender a lógica por trás dela: o agressor acredita que é preciso corrigir mulheres que rejeitam pênis.
No fundo, nada desperta mais o ódio de um homem misógino do que a existência de uma mulher que não precisa de homens para se realizar sexualmente.
Na lógica misógina, a sexualidade de mulheres que se relacionam com mulheres só é ~aceita~ quando está a serviço dos homens de alguma maneira. Nesse cenário, mulheres “sensualizando” juntas despertam interesse, mas mulheres que rejeitam o falocentrismo despertam ódio.
Sendo assim, reafirmar e naturalizar a fetichização da sexualidade de mulheres que se relacionam entre si é algo que precisa ser confrontado. E é por isso que não dá para engolir a recém divulgada capa de KISSES, o mais novo álbum da Anitta.
Tentando ser impactante, a cantora aparece duplicada beijando a si mesma na imagem – com direito a peruca loira à la bombshell e nenhuma peça de roupa, apenas joias enormes e um par daqueles adereços burlescos que cobrem os mamilos.
Por mais que ela esteja “beijando a própria boca” e não a de outra mulher, o que se vê na capa do disco é a representação de duas figuras femininas que interagem entre si de maneira apelativamente sensual. Por mais que o conceito do álbum aborde as supostas múltiplas facetas de Anitta (o que justifica a ideia de beijar a si mesma), fica claro que, imageticamente, ela está se valendo da fetichização em torno da sexualidade de mulheres que se relacionam entre si.
Para além da evidente egotrip, Anitta reforça a cultura do fetiche e a objetificação que impactam (e muito!) na maneira como lésbicas e mulheres bissexuais ainda são vistas na sociedade. E a gente precisa urgentemente confrontar a banalização desse problema.