Elas se descobriram lésbicas depois dos 30 anos e contam como foi
Nunca é tarde para ser feliz de verdade e essas mulheres são a prova disso.
É possível descobrir-se homossexual depois de adulto? Definitivamente sim.
“Mas como é que uma pessoa passa a vida toda achando que é heterossexual e de repente descobre que não é?”, dirão muitos. E a gente responde: por causa de uma coisinha chamada de heterossexualidade compulsória. Afinal, quando você basicamente só conhece um modelo tido como “o certo”, é natural inclinar-se a ele. Entre as mulheres isso é ainda mais comum, pois a nossa realização sexual é relegada ao segundo plano.
Em 2016, um estudo da USP – realizado com 3 mil pessoas de diversos estados brasileiros – revelou que metade das mulheres têm muita dificuldade de chegar ao orgasmo e 40% costumam sentir dor durante o sexo. Antes disso, em 2015, numa pesquisa feita pela Cosmopolitan com 2,3 mil mulheres americanas, 67% disseram que já fingiram orgasmo – por medo de magoar o parceiro ou para que o ato sexual acabasse de uma vez. No mesmo estudo, apenas 43% das entrevistadas revelaram que geralmente chegam ao orgasmo quando transam e 39% disseram que têm mais facilidade de gozar sozinhas do que durante o sexo.
São MUITAS as mulheres insatisfeitas sexualmente, mas essas mesmas mulheres também são ensinadas que isso é comum, que o sexo não deveria ser algo tão importante em suas vidas. E isso é um fator que faz com que muitas mulheres nem mesmo se deem conta de que não são heterossexuais.
Felizmente, vivemos numa época em que tanto mulheres quanto homens estão sentindo mais liberdade para para quebrar tabus em relação à homossexualidade. Não se trata de uma modinha, como alguns insistem em chamar esse fenômeno. Trata-se de uma revolução sócio-cultural, em que as pessoas finalmente estão sentindo-se confiantes para viver plenamente.
Fernanda Mesquita, Alexsandra Rodrigues e Veronica Nuvem passaram por essa experiência e descobriram-se lésbicas depois dos 30 anos. Conheça aqui a história delas.
Decidida a ser feliz, Alexsandra assumiu-se para os quatro filhos
A doméstica Alexsandra Rodrigues, de 43 anos, descobriu-se lésbica aos 35 e conta que isso aconteceu de maneira bastante inusitada. Tudo começou quando ela trabalhava como camelô com o pai e uma vendedora de jornal chamou sua atenção por “vestir-se de menino”, como ela mesma define.
“Eu disse para as minhas colegas ‘eu ainda vou paquerar esse menino’. Aí elas disseram para mim qua não era um menino e sim uma menina e eu respondi ‘eu sei que é uma menina’. No início eu achei que era só uma brincadeirinha, mas me apaixonei por ela”, relembra.
Num belo dia em que a moça apareceu na loja vendendo jornais, perguntou a Alexsandra se o marido dela não estava na loja. E a resposta foi sem rodeios: “Eu falei ‘nós duas sabemos que ele não é meu marido, ele é meu pai e não está aqui hoje’, aí eu disse ‘e eu também gosto de meninos e de meninas’. Nessa hora ela saiu, mas daqui a pouco voltou e disse que não tinha entendido o que eu queria dizer com aquilo. E eu falei ‘eu acho que tu entendeu, sim'”. Dias depois, as duas trocaram telefones e começaram a se falar.
Ela e a moça ficaram juntas por 11 meses e essa reviravolta foi incrivelmente inesperada para Alexsandra. “Eu me peguei, de repente, com ciúmes dela. E eu não me imaginava com ciúmes de uma mulher! Quando ela foi embora eu perdi meu chão e achei que não ia conseguir me recuperar”.
Apesar do sofrimento, ela conta que essa fase de descobrimento transformou por completo sua vida. “Foi bem legal, porque antes eu não estava satisfeita com a minha vida. Estava passando por um monte de problemas e parece que eu me senti bem melhor me descobrindo. Ela me apresentou uma vida que eu desconhecia. A melhor das vidas”.
Antes de compreender-se como lésbica, Alexsandra foi casada com dois homens e teve quatro filhos no primeiro casamento. Hoje, os filhos de Alexsandra têm entre 26 e 18 anos e ela também é avó de quatro crianças.
Ela conta que toda a família aceita sua homossexualidade, menos o pai. “Ele [o pai] não fala sobre isso, mas a gente sabe que ele não gosta de ideia. De resto, todos aceitaram muito, até melhor do que eu imaginava. Acho que eles perceberam a diferença entre como eu era quando me relacionada com homens e como eu sou agora”.
“Você finalmente consegue preencher um vazio”, diz Fernanda
A história de descoberta da dentista Fernanda Mesquita, de 36 anos, começou em 2009, quando ela estava morando há cerca de um ano na Irlanda. “As pessoas tem uma ideia de que um dia você acorda e fala: é hoje que vou ficar com uma mulher. Mas é muito mais complexo. Eu estava num país com uma mentalidade muito mais aberta quando beijei uma menina pela primeira vez. Quando você nasce e cresce em um lugar tão preconceituoso quanto o Brasil, você não quer que sua vida saia da normalidade aceita pela maioria”.
Beijar uma mulher pela primeira vez foi algo que trouxe uma preocupação para Fernanda: ela não queria que se criasse um clima estranho entre ela e a amiga com que estava ficando. “Foi um choque. A primeira coisa que se passou na minha cabeça foi ‘não quero perder a amizade dela’ e eu caí da cadeira em que estava sentada”, relembra.
Cerca de dois anos depois, o que começou como amizade acabou em casamento. Hoje, Fernanda e Ania – que é polonesa – estão casadas há 6 anos e moram em Londres.
“Eu tinha 30 anos e foi um processo difícil. Você se vê em uma situação em que finalmente entende o que estava acontecendo na sua cabeça. Consegue preencher um vazio que antes você tinha e não conseguia entender, mas ao mesmo tempo você pensa no que os outros vão pensar, ou melhor, em como vão te tratar. Você se prepara para o pior: rejeição, ignorância e o olhar de ‘coitada da mãe desta menina'”.
Apesar do medo inicial, a novidade passou a ser aceita com naturalidade pela família de Fernanda e assumir-se foi um divisor de águas em sua vida. “Após um tempo você acaba percebendo que o que os outros acham é problema deles e que você só tem uma vida e tem que fazê-la valer a pena. Do que adianta ter vivido uma vida perfeita aos olhos de todos, mas infeliz? Quando você coloca isso em uma balança, é aí que você começa a fazer escolhas difíceis”.
Mesmo assim, ela também reconhece que assumir-se é uma escolha muito particular, pois, infelizmente, a nossa sociedade ainda é preconceituosa demais. “Uma vez, na Irlanda, me perguntaram porque tem tanto homossexual no Brasil. Eu fiquei surpresa com a pergunta. Respondi que não tem muitos homossexuais no Brasil, mas existem muitos brasileiros homossexuais na Irlanda, pois graças à falta de preconceito você pode ser você mesmo, sem ter medo. Foi difícil explicar o que acontece no Brasil, me deu um aperto no coração”.
Hoje, Veronica percebe que antes vivia em uma bolha hétero
“A heterossexualidade sempre foi meu norte, porque era a única coisa a que eu tinha acesso. Seja na família, nas novelas ou até em desenho animado – tem a Margarida com o Pato Donald, o Mickey com a Minnie… desde criança nós somos empurradas para esse modelo de como se relacionar, que é homem com mulher”, comenta a grafiteira Veronica Nuvem, que tem 37 anos e descobriu-se lésbica em 2016.
Ela conta que desde os 15 anos emendou um relacionamento atrás do outro – sempre com homens – e foi na militância feminista que passou a questionar o tal modelo de heterossexualidade compulsória. Antes disso, ela diz que chegou a se interessar por algumas garotas ao longo da vida, mas isso aconteceu pouquíssimas vezes e não fez com que ela se questionasse a respeito. “Eu tinha mais com o que me preocupar. Tinha meu namorado… meu homem. Eu nunca parava para pensar nisso”.
Cerca de quatro anos atrás, Veronica começou a se engajar ativamente no movimento feminista e, de forma natural, passou a conviver mais com lésbicas e bissexuais. “O que é isso concretamente? Eu estava inserida num ambiente que não era mais exclusivamente hétero. Haviam mulheres hétero como eu nessa coletiva [feminista], mas eu saí da bolha hétero. Porque, até então, eu só convivia com pessoas hétero, só frequentava lugares hétero. Então é louco que, quando você está num ambiente onde só tem aquele modelo, você acaba reproduzindo aquilo sem questionar muito, você só vai no automático. E foi o feminismo que me tirou da bolha”.
E essa “saída da bolha”, fez com que Veronica acabasse sentindo vontade de ficar com mulheres. “Eu comecei a questionar minha vivência, foi inevitável”, relembra.
Para Veronica, a primeira experiência com uma mulher foi muito gostosa e ao mesmo tempo estranha. “Quando você está a vida toda acostumada com um modelo e vem outro, não tem como não ser estranho, né?”. Aos 20 e poucos anos, ela já havia beijado uma garota numa festa, mas o mood era completamente outro – ela conta que viu aquilo como algo “exótico” na época.
Passado o baque inicial, Veronica diz que de fato se encontrou. A moça com quem ela ficou de verdade pela primeira vez é a mesma com quem está namorando até hoje. E as diferenças que antes causavam estranheza hoje a fascinam.
“Já não faz mais sentido para mim construir uma relação com um cara. Eu quero que seja com uma mulher. Eu vejo as minhas experiências heterossexuais como um processo do qual eu não pude escapar. Eu tive relacionamentos onde aprendi muito, onde eu fui feliz. Tive companheiros que foram bem companheiros mesmo e outros nem tanto. Enfim, eu tive relações legais. Mas eu não me vejo mais ficando, construindo algo, fazendo sexo, flertando ou beijando algum homem. E não foi porque eu peguei nojo ou fiquei traumatizada, não é isso. Mas quando a gente dá um passo à frente, já não faz mais sentido voltar para trás”.