As canções para Diana em The Crown
Todas as 12 músicas que a série da Netflix associa à Diana na 4ª temporada têm mensagens sobre a personalidade e os sentimentos da princesa
A perfeição da reconstituição de época de The Crown inclui a trilha sonora. Especialmente no caso da princesa Diana que, desde sua entrada, tem cada cena cuidadosamente associada a uma canção da época e/ou que traduza seus sentimentos diante do que estava acontecendo em sua vida.
O contraste da personalidade autêntica da jovem Diana em relação às restrições protocolares da Família Real é realçado nas músicas selecionadas na série. Diana conhecidamente gostava das músicas pop dos anos 1980s e muitas delas reaparecem na trilha sonora. Vamos cena a cena.
O trailer
A temporada 4 teve um trailer que deixou a dica de quanto as canções em The Crown teriam importância. How Soon Is Now, do The Smiths, é um hino dos anos 1980s. É perfeita. “I am the son, And the heir, Of a shyness that is criminally vulgarI am the son and heir Of nothing in particular” (Sou o filho e herdeiro de uma timidez criminalmente vulgar, Sou o filho e herdeiro de nada em particular).
A letra de Morrissey fala de várias coisas alheias à monarquia e é referência a um artigo feminista (de onde saiu o título “Quando tempo falta para agora?”) e ao escritor George Eliot, Middlemarch e que diz “To be born the son of a Middlemarch manufacturer, and inevitable heir to nothing in particular“. Mas timidez e ser herdeiro é uma alusão igualmente à Charles como Diana.
A versão usada pela Netflix tem a voz da americana Keeley Bumford, uma artista baseada em Los Angeles que se apresenta como Dresage e foi produzida por Adrianne Gonzalez, mais conhecida como AG. A versão grandiosa, típica de trailers, ressalta o vazio das ansiedades que veremos na temporada.
O telefonema
Diana é surpreendida com um telefonema de Charles a chamando para sair. Ela está ouvindo – convenientemente – Call Me, de Blondie. A letra é sobre alguém esperando um contato e a letra diz “Call me (call me), call me for your lover’s lover’s alibi, Call me (call me) on the line, Call me, call me any, anytime” (Me chame, me chame como álibi da amante de sua amante, Me chame no telefone, Me chame em qualquer, qualquer momento).
É claríssima a referência de que Diana – sem saber – está entrando na novela como álibi para Camilla, a verdadeira amante de Charles.
A ópera
Charles leva Diana para ver uma apresentação da ópera La Traviatta. A obra é a versão da novela francesa A Dama das Camélias sobre o amor impossível entre uma cortesã e um jovem nobre. Traviatta, inclusive, é a referência da mulher que é infeliz. O duplo sentido é muito pensado. Charles e Camilla não puderam ficar juntos, como na ópera, por causa do passado dela. Tem mais.
Não é sutil que o trecho da ária mostrada seja justamente o que Violetta, a cortesã, chora cantando que seu sonho era “amar sendo amada”. Essa mensagem será sempre lembrada quando Diana entra em cena, a de que ela busca amor e amor verdadeiro. Aos 19 anos, ela acredita que vai viver o grande romance com o príncipe e por isso, quando o episódio termina com o tema de amor da ópera, sem letras, sinaliza mais uma vez a tragédia que está se desenhando. Lembrando que, ao conversar com Charles, Diana diz ter entendido La Traviatta como uma obra de amor, porém Charles a corrige mencionando apenas a trajetória política do compositor, Giuseppe Verdi. O contraste é estabelecido na primeira noite, mostrando que Diana buscava amor e romance enquanto Charles só via o lado prático e realista das coisas.
O pedido de casamento
Até a Rainha, prática, é mostrada um pouco surpresa com a falta de emoção do filho ao pedir Diana em casamento. A única que não percebe é a própria princesa, que volta para casa ouvindo Diana Ross no rádio. A canção é Upside Down e a letra diz “Upside down, Boy, you turn me, Inside out and round and round” (De ponta cabeça, rapaz, você me vira do avesso e dou voltas e voltas).
Mais uma vez, a escolha da canção não foi aleatória. A letra ressalta justamente o que vai acontecer imediatamente após que a imprensa descobre Diana e a vida dela nunca mais voltará ser a mesma.
Para quem conhece o sucesso, a cena corta antes, mas a canção ainda tem o seguinte trecho, “Instinctively you give to me, the love that I need, I cherish the moments with you, Respectfully I say to thee, I’m aware that you’re cheating, When no one makes me feel like you do” (Instintivamente você me dá o amor que eu preciso. Eu aprecio os momentos com você, respeitosamente, te digo estou ciente de que você está trapaceando quando ninguém me faz sentir como você).
É, como sempre, a alusão de que Diana vê amor, mas está com alguém que não retribui seus sentimentos.
Quando nasce Diana, o fenômeno
Diana é vista aproveitando a última noite de normalidade com as amigas. Para esse momento, entra Stevie Nicks cantando o clássico Edge of Seventeen. Escolher Stevie Nicks, que volta nos créditos finais do episódio, é muito revelador. O título – No limite dos dezessete – reforça a juventude de Diana, com apenas 19 anos na época.Na abertura ouvimos apenas os primeiros versos. “Just like the white winged dove sings a song sounds like she’s singing Whoo whoo whoo” (Assim como a pomba de asas brancas canta uma canção Soa como se ela estivesse cantando Whoo whoo whoo). Começa perfeitamente inocente como um canto de um pássaro inocente. No entanto, quando se chega ao final do episódio e a canção volta, o impacto é outro. Diana já desconfia da armadilha em que caiu e voltamos a ouvir Stevie Nicks, desta vez acapella, sem instrumentos. A letra de The Edge of Seventeen, agora tocada complete, tem força. “He was no more than a baby then, Well he seemed broken hearted, something within him but the moment that I first laid eyes on him all alone. On the edge of seventeen” (Ele não era mais do que um jovem naquela época, bem, ele parecia estar com o coração partido Algo dentro dele, mas no momento que eu o encarei pela primeira vez, completamente sozinho no limite dos dezessete (anos)).
Essa era a primeira interpretação de Diana, que viu Charles com o coração partido e – ela pensou – buscando alguém para emendá-lo. E segue com “Well then suddenly there was no one left standing In the hall, in a flood of tears that no one really ever heard fall at all. Oh I went searchin’ for an answer up the stairs and down the hallNot to find an answer just to hear the call of a nightbird singingCome away, come away” (Então de repente não sobrou ninguém em péNa sala, em uma enxurrada de lágrimas onde ninguém jamais percebeu as quedas. Oh, eu fui procurar uma resposta no andar de cima e embaixo na sala, não para encontrar a resposta apenas para ouvir o chamado de um pássaro noturno cantando, Venha, venha).
É a Diana solitária, ignorada e sem nenhum apoio. É, sem dúvida, uma das canções mais significativas da temporada.
De patins no Palácio
Diana gostava de patinar e The Crown a mostra passeando pelos corredores no Palácio de Buckingham ouvindo uma das suas bandas favoritas, Duran Duran, cantando Girls on Film.
A canção é um dos maiores sucessos do grupo e diz “There’s a camera rolling on her back, On her back” (Há uma câmera filmando atrás dela, nas suas costas).
Mais uma vez alude ao futuro da princesa, que será perseguida pelos paparazzi, observada e controlada pela mídia e pelo staff da “Firma”, com cada passo sendo reportado e registrado.
Uma homenagem ao amigo pessoal da princesa
Isolada e sem notícias de Charles, Diana dança a instrumental Song for a Guy (Canção para um rapaz), de seu amigo, Elton John. É Diana, a dias do casamento angustiada pela falta de notícias de um noivo que mal conhece.
Um momento em que pareceu possível
A cena romântica de Charles e Diana é justamente com o clássico Can’t Take My Eyes Off of You, onde eles rodopiam em um baile, na Austrália, ao som do refrão “I love you, baby and if it’s quite all right I need you, baby to warm the lonely nights, I love you, baby, Trust in me when I say” (Eu amo você, querida e se estiver tudo bemEu preciso de você, querida para aquecer as noites solitáriasEu te amo, querida acredite em mim quando eu digo).
Foi um breve momento em que os dois estavam, por frações de segundos, apaixonados, felizes, inebriados com romance. Infelizmente, como sabemos, durou pouco.
A homenagem à Charles
A famosa cena onde Diana dança Uptown Girl, de Billy Joel, para Charles, também tem mensagem implícita. “I’m in love with an uptown girl, You know I’ve seen her in her uptown world, She’s getting tired of her high class toys and all the presents from her uptown boys She’s got a choice” (Estou apaixonado por uma garota de “classe alta”, Você sabe eu a vi em seu universo de luxo, Ela está ficando cansada de seus brinquedos de luxo, E todos os presentes ganhados de seus garotos de luxo Ela tem uma escolha).
A canção foi um dos grandes sucessos dos anos 1980s, mas é sobre um rapaz que se apaixona por uma moça de classe e que sonha que ela escolha dentre os que estão atrás dela. É o que Diana quer que Charles reconheça, que ela é a melhor para ele e que ela o quer acima de tudo.
O que quer dizer amor?
Na tentativa (final) de Diana salvar seu casamento com Charles, a vemos animada, com William e Harry, cantando Crazy Little Thing Called Love, do Queen. “This thing called love, I just can’t handle it. This thing called love, I must get round to it, I ain’t ready, Crazy little thing called love” (Essa coisa chamada amor, Eu simplesmente não consigo lidar com ela Essa coisa chamada amor, Eu tenho que estar um passo à frente dela Eu não estou pronto, Coisinha doida chamada amor).
Ambos Charles e Diana estão com dificuldade de lidar com as questões do coração. É o abismo entre eles que não conseguem superar.
A segunda surpresa e homenagem
Depois do fiasco de Uptown Girl, era de se imaginar que Diana teria aprendido a lição, mas ela decide “presentear ” Charles com uma nova surpresa. A falta de conexão dos dois, a essa altura, é inegável.
Embora muitos se questionem da veracidade da cena, segundo as biografias, ela aconteceu mesmo. Diana realmente gravou uma interpretação particular de All I Ask of You (Tudo que peço à você), do musical O Fantasma da Ópera. “É como sei me expressar”, ela argumenta na série, surda à reação apavorada do marido que desiste de salvar o casamento. “Say you love me every waking moment, turn my head with talk of summertime, say you need me with you now and always, Promise me that all you say is true, that’s all I ask of you” (Diga que me ama a cada momento, Vire minha cabeça com conversas sobre o verão. Diga que precisa de mim com você, agora e sempre. Prometa que isso tudo que você diz é verdade. Isso é tudo o que te peço), ela canta.
É Diana, literalmente abrindo a alma e dizendo sem rodeios o que ela espera de Charles. Tudo o que ela quer é amor. E faz a ligação trágica à primeira noite que os dois saíram juntos, para ver uma ópera. A letra de All I Ask of You amarra à ária de La Traviatta que sonha em “amar sendo amada”. Algo que Diana jamais conseguiu de Charles.
A decepção de Diana
Quando Charles rejeita Diana, mais uma vez, The Crown a mostra dançando outro sucesso dos anos 1980s, Love is a Stranger, de Eurythmics. A mensagem, “And I want you, And I want you so It’s an obsession” (E eu te quero, E eu te quero tanto, É uma obsessão) revela que a essa altura Charles já se transformou em uma obsessão para Diana. Porém o amor é algo “estrangeiro” ou “estranho” para os dois, como diz o título da canção.
O último Natal
Na derrocada final de Diana em sua luta solitária para salvar o casamento a trilha sonora toma um atalho fora dos anos 1980s, mas com recados para a narrativa. Quando Ella Fitzgerald cantando Baby, It’s Cold Outside, a letra diz “I ought to say no, no, no – Mind if I move in closer? At least I’m gonna say that I tried – What’s the sense in hurting my pride? I really can’t stay – Baby don’t hold out Ah, but it’s cold outside” (Eu devia dizer não, não senhor! (Se importa se eu chegar mais perto?) Pelo menos vou dizer que tentei… (Por que ferir meus sentimentos assim?) Eu realmente não posso ficar (Baby, não tente resistir) Oh, Mas está frio lá fora!)
A tradução diz tudo. Diana tenta fazer parte da Família Real, do universo de Charles, mas só encontra frieza e distanciamento de todos os lados.
E finalmente, o silêncio
Nos despedimos de Diana no último natal que ela passou com a Família Real com a tradicional Silent Night. A canção ressalta a tristeza e o vazio da princesa quando percebe o fim do sonho, a falta de esperança e o quanto ela não pertence naquele grupo. Estão todos alheios a distância da princesa, às suas lágrimas e ao seu sofrimento.
Lindo. Triste. Trágico. Brilhante. Vai demorar até a temporada 5!
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