Precisamos falar sobre a pandemia e violência contra as mulheres
Já ao final da primeira semana de distanciamento social, um aumento de 9% nas denúncias de violência contra as mulheres foi registrado
São Paulo, 17 de abril de 2020
Um dos maiores aliados para a manutenção e perpetuação de violências é o silêncio. Ao não falarmos sobre algo como a violência, contribuímos para a invisibilização de questões fundamentais na nossa sociedade. Algo que colabora com esse silêncio é o medo. E estamos em tempos de muitas inseguranças e anseios. Escrevo aqui todos os dias e não significa que não esteja, também, com medos, hesitações e incertezas. Estamos todas buscando viver o momento e vislumbrar perspectivas futuras. E nada no cenário tem nos ajudado nas projeções.
Assim como eu falei aqui sobre as relações da cadeia produtiva de alimentos e as cada vez mais constantes pandemias, o que significa dizer que a crise global que vivemos é fruto do próprio sistema reproduzido e sustentado pelas nossas sociedades, penso ser importante falar de outras questões que sempre caminharão lado a lado com um sistema baseado em afirmar diferenças como desigualdades. Digo isso, pois as questões de gênero, raça e classe são interseccionais e, assim, em momentos de crise, as desigualdades se aprofundam se não criemos mecanismos para barrá-las.
Já faz algum tempo que diversas organizações e movimentos em defesa dos direitos das mulheres têm denunciado a violência contra as mulheres como uma epidemia em nosso país. A Organização Mundial de Saúde (ONU) também apresentou a violência contra as mulheres como uma pandemia global. E o surgimento do novo coronavírus fez aumentar substancialmente os casos, já que medidas como o isolamento fazem com que as mulheres tenham que conviver com seus agressores. Segundo a ONU, uma em cada três mulheres sofre violência sexual e física no mundo, a maior parte dos agressores são seus parceiros íntimos.
Países como China, Argentina, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Colômbia, por exemplo, já demonstraram dados de aumento da violência contra as mulheres. Na França, por exemplo, houve aumento de 36% das denúncias só na cidade de Paris, e 32% no restante do país. Entre as medidas adotadas pelo governo francês estão: pagamento de quartos de hotéis para as vítimas e ampliação dos centros de aconselhamento.
E no Brasil? Não fugimos à regra. Já ao final da primeira semana de distanciamento social, um aumento de 9% nas denúncias de violência contra as mulheres foi registrado. Mas podemos ter tranquilidade de afirmar que este dado pode estar subnotificado, já que sair de casa para realizar a denúncia ou buscar ajuda causa medo diante da possibilidade de contrair o vírus. Exemplos disso podem ser observados em dois estados. No Rio de Janeiro, a Justiça do estado registrou um aumento de 50% de casos de violência contra as mulheres só no primeiro dia após o início do isolamento social. Em São Paulo, o Ministério Público do estado registrou aumento de 29,9% de pedidos por medidas protetivas emergenciais e 51% de prisões em flagrante por violência, além do número de feminicídios terem dobrado. Há propostas tramitando no Congresso Nacional para conter a violência doméstica, propondo medidas como ampliação da divulgação do 180, canal de denúncias criado em 2003; a prorrogação de medidas protetivas enquanto durar a pandemia; plantão telefônico para receber denúncias etc. Mas acredito que muitas outras medidas, mais eficazes do que campanhas, poderiam ser tomadas por governos estaduais e prefeituras.
Em março de 2020, quando as medidas por distanciamento social foram estabelecidas em diversos países como forma de conter a disseminação do vírus, a ONU Mulheres lançou um documento com diversas orientações para conter, também, a pandemia de violência contra as mulheres, como a importância da continuidade e fortalecimento, se não ampliação, de equipamentos e serviços de atendimento às mulheres; garantia de recursos e renda com recorte de gênero para que mulheres, como a maioria das cuidadoras e responsáveis pelo planejamento familiar, possam ter mínima autonomia econômica durante a crise; estratégias específicas para a recuperação econômica de mulheres; entre outras.
Nós estamos em quarentena, só que isso não significa que a violência contra a mulher seja um problema apenas de mulheres que estão passando por isso. Podemos estar impossibilitadas de fazermos passeatas, mas não estamos de cobrar nossos governantes por medidas eficazes para que uma pandemia não invisibilize outra. Ainda é um compromisso de todas e todos nós, porque uma questão de interesse de toda a sociedade, garantirmos que a luta pelo fim da violência contra as mulheres não seja interrompida.
Os grupos de WhatsApp seguem funcionando e as demais redes sociais também podem ser canais pelos quais falamos, cobramos e rompemos o silêncio. E, como já disse em outro texto aqui: a pandemia nos isola, mas também é uma oportunidade de aproximação pelas redes e laços que todas temos que construir para passar por tudo isso. Então, segue sendo nosso papel “meter a colher”, estender a mão, demandar respostas do poder público, não deixar para lá como se fosse secundário. Assim como desejamos e fazemos a nossa parte para que a pandemia do vírus passe, também devemos fazer nossa parte para que a pandemia da violência contra as mulheres tenha um fim.
Acompanhe o “Diário De Uma Quarentener”:
01/04 – A rotina do isolamento de Juliana Borges no “Diário De Uma Quarentener”
02/04 – O manual de sobrevivência de uma quarentener
03/04 – Permita-se viver “o nada” na quarentena sem culpa
06/04 – O que a gente come tem algo a ver com as pandemias?
07/04 – As periferias e as mobilizações na pandemia
08/04 – Um exemplo de despreparo em uma pandemia
09/04 – Como perder a noção do tempo sem esquecer a gravidade dos tempos
10/04 – Não é hora de afrouxarmos o distanciamento. Se você pode, fique em casa!
11/04 – 3 filmes para refletir sobre a pandemia da Covid-19
12/04 – Nesta Páscoa, carrego muitas saudades. Hoje, minha mãe completaria 54 anos
13/04 – Obrigada, Moraes Moreira!
14/04- E aí, quais são as lives da semana?
15/04 – Como praticar autocuidado radical?
16/04 – #TBT da saudade do mar