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Assumir os cachos ou crespos: vivemos o início de uma revolução?

O alisamento, sabemos, não se encerra na questão da estética. Por trás da obsessão por cabelos retos existe a revelação de um forte sintoma social.

Por Ludmila Vilar (colunista)
Atualizado em 11 abr 2024, 20h24 - Publicado em 25 Maio 2015, 18h18
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  • Ah, quanto o cabelo diz sobre a gente. Diz das coisas mais simples, como terminar um relacionamento e mudar o corte, às mais complexas, como os mecanismos da nossa sociedade.

    No Brasil, onde de uns anos para cá uma onda de alisamentos bateu como tsunami nas nossas cabeças (fico pensando, aliás, se não seremos uma geração de mulheres com cabelos opacos, fios porosos e fracos, que caem aos tufos a cada banho – pelo menos foram esses os efeitos que a progressiva deixou em mim), tenho a impressão de se estar começando um movimento entre as mulheres negras de abolir o alisamento. Um movimento incipiente, é verdade. Mas em crescimento.

    Na TV, ainda nossa principal fonte de padrão de beleza, estamos começando a ver mulheres com seus cabelos naturais. A deusa da Sharon Menezes, na novela das 21h, a linda da Lellezinha, em Malhação. Os cachos volumosos delas são um bálsamo para obcecadas por volume como eu. E tem Juliana Alves, Negra Li, Lucy Ramos … 

    Sim, se contam nos dedos as negras famosas cacheadas. Elas são exemplos pinçados, mas poderosos por mostrarem um outro lado do espelho a milhões de meninas que passaram a vida alisando, alisando e alisando os cabelos até quase matá-los (só para ficar ainda no rol das famosas, o caso mais punk que conheço é o de Naomi Campbell, que hoje tem uma falha irreversível na parte da frente da cabeça).

    O alisamento, sabemos, não se encerra na questão da estética. Por trás dessa obsessão por cabelos retos existe a revelação de um forte sintoma social. Em nome de exercerem a beleza como bem quiserem (sem virarem alvo de sarro nas ruas, como é comum acontecer com quem usa o chamado penteado black power; não serem retratadas por personagens como a nega maluca ou de sofrer discriminação numa entrevista de trabalho) é que vem surgindo iniciativas como as das meninas Black Power.

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    Trata-se de um coletivo carioca que tem como causa o fortalecimento da autoestima das mulheres negras. Mulheres seguras, também sabemos, são mulheres com muito mais chances de serem felizes. No site do grupo há desde de posts sobre it girls negras até textos sobre a importância de brinquedos afirmativos.

    Mas são os cabelos um elemento tão importante que, ao dizerem quem são, elas se apresentam assim: “o coletivo Meninas Black Power é formado por mulheres pretas, com formação em diferentes áreas, que optaram pelo cabelo crespo natural e compreendem os significados e significantes dele na sociedade”.

    Isso me fez lembrar o trabalho de J. D. ‘Okhai Ojeikere, um fotógrafo nigeriano maravilhoso, que morreu no ano passado e dedicou parte da carreira a registrar os incríveis penteados das nigerianas.   

    Durante os anos 60 e 70, Ojeikere fotografou cerca de mil penteados diferentes (veja alguns aqui), que dizem muito sobre aquele momento da Nigéria, recém-independente da Inglaterra. Os penteados chegavam a ter mais de 10 cm e simbolizavam a afirmação da cultura e mais do que isso a expressão da liberdade. Havia modelos de penteados que tinham até direitos exclusivos, uma espécie de patente de algumas famílias.

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    Na História, não faltam exemplos para mostrar como o cabelo é um instrumento de poder, um agente de mudança, uma expressão de beleza.

    Não se trata, que fique claro, de dizer como mulheres negras (ou brancas) devem usar seus penteados. Crespo ou liso, desde que quem decida seja você – e não o receio de ser rejeitada na sociedade ou a ideia de que só se é bonita de um jeito.

     

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