Em 2001, após um acidente de moto, tornei-me uma pessoa com deficiência aos 22 anos. Desde então, uso cadeira de rodas devido a uma lesão medular. A princípio, quando soube da Lei de Cotas, que obriga empresas com mais de 100 colaboradores a contratar profissionais com deficiência, me senti ofendida. Depois mudei de ideia. Percebi os privilégios que tive em minha vida e os prejuízos que a maioria das pessoas com deficiência sofre em nosso país. Daí, foi fácil entender as cotas para universidades e para mais executivas em conselhos. Hoje, quando encontro pessoas contra qualquer lei ou regras de cota, como eu era, acho curioso.
Sou educadora física e dava aulas em empresas antes do acidente. Voltei para a mesma área apenas três meses depois. Primeiro, eu sou pós-graduada, grande vantagem num país em que 38% dos brasileiros não chegam ao ensino médio e 11,3 milhões são analfabetos com mais de 15 anos. Também pude contar com o apoio de uma gestora incrível que acreditou em mim quando eu ainda me sentia inválida. Tive oportunidade.
É privilégio ter estudado em escolas particulares e ter me formado na faculdade aos 21 anos. É privilégio ter pais casados durante toda a vida, que formaram uma rede de proteção e educação; ter recebido mesada na infância. É privilégio poder andar de mãos dadas com meu marido sem sofrer com os olhares preconceituosos. Sentindo-me bastante privilegiada, entendi que poderia inspirar gestores e empresas contando a história da minha volta ao trabalho como professora de ginástica laboral.
Olhando para trás e analisando o cenário atual, reconheço como o tema diversidade e inclusão vem avançando no mercado de trabalho. Esse amadurecimento está acontecendo pelas vantagens e benefícios que a diversidade traz, o que faz com que a Lei de Cotas seja consequência, e não o motivo principal para contratação. Cotas são medidas transitórias para incluir pessoas excluídas e segregadas, que, além dos prejuízos, competem com pessoas cheias de privilégios. Na corrida da vida, alguns largam bem à frente de todos os outros. Não há meritocracia justa com passados tão desiguais. Não dá para tratar igual quando há tanta desigualdade.
Hoje, comemoro o momento da diversidade colada à inovação, única chance de existência das empresas do futuro. “É diversidade ou morte!”, disse o economista Ricardo Amorim em uma palestra de um congresso para Recursos Humanos em 2018. Ele se referia a empresas que não apostam na diversidade de pensamentos, ideias e vivências. Times homogêneos podem trabalhar bem, mas não inovam. Isso é bem verdade.
Para complementar, indico às empresas que não brinquem de ser diversificadas; sejam de fato! Parecer inclusivo não é ser inclusivo. Sem inclusão e diversidade real, não há ambiente livre de discriminação nem liberdade para que as pessoas sejam exatamente como são. Somente a concreta cultura inclusiva trará representatividade aos colaboradores marcados socialmente e promoverá o senso de pertencimento. Um ser humano só produz 100% quando se sente pertencente. Aí, sim, as empresas colherão os benefícios da diversidade e inclusão. Esse é o caminho!
*Carolina Ignarra é CEO da Talento Incluir, consultoria especializada em inclusão de pessoas com deficiência