Ao lançar o primeiro programa de trainee exclusivos para negros, a Magazine Luiza já recebeu 11 denúncias de discriminação envolvendo a inciativa, sendo todas rejeitadas, de acordo com informação da Folha de S. Paulo.
Depois de toda a polêmica em torno do assunto que durou semanas, uma nova ação foi promovida contra o programa da loja. A Defensoria Pública da União (DPU) entrou com uma ação civil pública na Justiça do Trabalho contra o programa, que foi classificado como “marketing de lacração“.
Jovino Bento Júnior, defensor e autor da petição, concorda que a inclusão de negros e qualquer outro grupo seja desejável, mas o programa em questão “não é medida necessária – pois existem outras e estão disponíveis para se atingir o mesmo objetivo -, e nem possui proporcionalidade estrita”.
O processo cobra da rede R$ 10 milhões de indenização por danos morais coletivos e violação de direitos de milhões de trabalhadores. Ainda segundo Jovino, o formato se revela ilegal pois “para buscar a sua conformação com a legislação, compatibilizando-o com os direitos dos trabalhadores de acesso ao mercado de trabalho, e de não serem discriminados (..) isso não pode ocorrer às custas do atropelo dos direitos sociais dos demais trabalhadores, que também dependem da venda de sua força de trabalho para manter a si mesmos e às respectivas famílias”.
O defensor afirma que o trainee exclusivo é, na verdade, uma estratégia de marketing adotada pela rede varejista. “Trata-se de um fenômeno amplamente difundido hodiernamente (hoje em dia) , sendo que os profissionais que trabalham com publicidade, propaganda e marketing já possuem até mesmo um nome técnico para ele: Marketing de Lacração”.
O professor de Direito da FGV, Thiago Amparo, explica que, a ação contra as ações afirmativas do programa de Trainee da varejista não tem fundamentos legais para ser aplicada. “Não se debuta na ação com relação a igualdade substantiva da Constituição Federal, não menciona o artigo 39 da Lei 1888, de 2010, do Estatuto de Igualdade Racial, que expressamente permite esse tipo de ação afirmativa pra empresas”.
Além disso, Thiago argumenta que o defensor “não menciona a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que expressa que não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais com objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais”.
De acordo com Thiago, a ação de Jovino confunde a discriminação racial com uma ação afirmativa. “Não é o caso de discriminação racial. A ação tem objetivo de promover lideranças negras no sistema de Trainee da Magazine Luiza. Além disso, a Defensoria Pública da União está agindo contra o interesse de grupos historicamente vulneráveis, no caso, a população negra”, argumenta ele.
Em nota, a Defensoria da União informou nesta terça-feira (6) que a atuação de defensores públicos federais tem independência funcional, mas defendeu que a política de cotas deve ser incentivada. “A política de cotas constitui-se em forte instrumento para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade livre, justa e solidária”, dizia a nota assinada pelo defensor público-geral federal Jair Soares Júnior.
Uma nota emitida pelo Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União, assinada por 11 representantes, afirmava que a ação movida pelo defensor Jovino Bento Júnior “não reflete a missão e posição institucional da Defensoria Pública da União quanto à defesa dos necessitados”, e completou dizendo que a ação contraria os direitos do grupo vulnerável “cuja DPU tem o dever irrenunciável de defender”.
Procurada pela equipe do Estadão, a varejista Magazine Luiza não quis comentar a ação movida pela Defensoria da União. Em entrevista ao Roda-Viva, na noite se segunda-feira, 5, Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza, defendeu a iniciativa: “temos que entender mais o que é racismo estrutural. O dia que entendi até chorei, porque sempre achei que [eu] não era racista até entender o racismo estrutural”.