23 anos de Prêmio CLAUDIA: relembre vencedoras de edições passadas
Mulheres inspiradoras que continuam trabalhando para fortalecer a educação no Brasil
Neste ano, o foco central está na educação. A ideia é chamar a atenção para a urgência do tema, que sempre fez parte do histórico do Prêmio CLAUDIA e sem o qual não se pode mudar o Brasil. Nossa equipe está em campo, nas cinco regiões do país, em busca de mulheres (e também de homens) que estão propondo mudanças, criando nova mentalidade entre educadores, apresentando propostas para estancar a evasão escolar, pressionando políticos e autoridades.
Há nomes fortes nas oito categorias da premiação, tentando transformar o processo educativo em algo transversal, mais abrangente e democrático. Escolhemos candidatos ao 23º Prêmio CLAUDIA em um rigoroso processo que conta com indicações de mais de 300 fontes. Há sugestões de pesquisadores, dirigentes de ONGs e formadores de opinião. As finalistas serão reveladas a partir de julho.
Para começar a esquentar o debate, revisitamos premiadas em edições anteriores. Todas intensificaram suas ações para formar cidadãos.
Veja as histórias de algumas das vencedoras das edições passadas:
Dança para projetar e dar poder – Dora Isabel de Araújo Andrade
Tudo indicava que a coreógrafa cearense Dora Isabel de Araújo Andrade iria longe e que a Escola de Dança e Integração Social para Crianças (Edisca) daria inúmeros frutos. Naquele 1996, quando ela venceu a primeira edição do prêmio – que ainda não agrupava as candidatas em categorias –, o projeto dela era ruidoso, embora tivesse só cinco anos de atividade. De lá para cá, a entidade ampliou seu raio de influência, atingindo mães e avós dos alunos; 70% deles vivendo abaixo da linha da pobreza.
A instituição atende 417 pessoas (o dobro de quando Dora foi eleita) de comunidades de Fortaleza, onde a integridade da infância corre sérios riscos, a gravidez na adolescência preocupa e o número de assassinatos de adolescentes é um dos maiores do país. Desde a fundação, a Edisca oferece aulas de dança, teatro, inglês, história, além de assistência médica e odontológica, vale-transporte e alimentação.
Para as mulheres, o leque é amplo e envolve o empreendedorismo. A crença da bailarina, que norteia a ação, é a de que sem dinheiro não tem emancipação. “A renda delas aumentou 100% e, em alguns casos, triplicou.” O programa, chamado A Vida É Feminina, está em andamento há 12 anos. “Decidimos incluir as mulheres porque são elas que causam maior impacto na organização da família”, afirma Dora.
Com base em um levantamento sobre as carências do mercado, elas aprendem a trabalhar com culinária básica, congelamento de alimentos, serviços de salão (manicure, cabelo e depilação). O objetivo é levá-las a elaborar planos de negócio. Os melhores recebem um financiamento, que varia a cada ano, para começar a funcionar. “Uma delas comprou uma bolsa cheia de itens de beleza, como escova, secador e ferramentas de manicure, e tem atendido, com sucesso, em condomínios da cidade”, afirma.
O programa começa com um levantamento das habilidades das participantes. Pode ser algo simples – do talento para coar um café de forma especial ao dom para fazer redes, item onipresente nas casas nordestinas. Depois, compartilham esses conhecimentos com as colegas. “Elas se sentem valorizadas e fortalecidas para usar as próprias capacidades na geração de renda”, diz a bailarina.
Na lista de atividades, figuram ainda a alfabetização, informações sobre direitos civis, direitos das crianças e proteção contra a violência doméstica. “Discutimos sobre o modo de lidar com problemas da infância, como birra, desobediência, dificuldade de fazer a lição. Com isso, reduzimos a zero os casos de alunos que chegavam à escola machucados pelos pais”, conta.
Também há rodadas de assistência, fruto de um convênio com o Grupo de Práticas Jurídicas, da Universidade de Fortaleza. Alunos e professores de direito tiram dúvidas sobre divórcio, pensão alimentícia para os filhos, aposentadoria ou posse de terra. “Ao instruir e proteger as mulheres, estamos colaborando para o bem-estar de toda a família, sobretudo das crianças.”
A favela vai à universidade – Eliana Sousa Silva
A organização Redes da Maré foi criada com um objetivo muito claro: dar ao jovem da favela chances de chegar à universidade. Tudo partiu da experiência de vida da paraibana Eliana Sousa Silva. Quando migrou aos 7 anos para a capital fluminense, ela e a família se instalaram no Complexo da Maré, que reúne 16 favelas, na Zona Norte.
Por incentivo do pai e vontade própria, a garota construiu uma trajetória de destaque na comunidade local. Formou-se em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e fez mestrado em educação na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ).
Eliana percebeu, na prática, como era difícil alguém como ela chegar tão longe. Assim, em 1997, fundou com amigos a semente do projeto, um curso pré-vestibular para os moradores do Complexo. “Na década de 1990, menos de 0,5% da população local tinha acesso à universidade.
Atualmente o número subiu para 2%”, diz Eliana, que mantém também programas de reforço e preparação para os outros ciclos escolares. “Trabalhamos para que a criança permaneça na escola.” A entidade ainda promove o acesso à Justiça, profissionaliza mulheres, realiza ações de arte, literatura, cultura e cidadania.
Após o luto, a luta segue – Sulemi Coaxi
Mãe de Suzana Cristina, nascida com paralisia cerebral, Sulemi Coaxi buscou clínicas e consultórios para dar à filha um tratamento especializado. De uma família de seis irmãs, todas professoras, a consultora Natura percebeu que a inclusão da filha só aconteceria por meio da educação.
Estabeleceu como meta colocar na escola não apenas a menina, então com 4 anos, mas as crianças e adolescentes com necessidades especiais da pequena Sapeaçu, na Bahia, onde mora. Sulemi fez pressão na prefeitura. Pediu um levantamento do número de pessoas com deficiência e descobriu 330, a maioria vivendo em casa, sem possibilidades de socialização.
A população abraçou a causa e, em 1999, foi inaugurada a Associação Pestalozzi de Sapeaçu – Escola Especializada Suzana Cristina. A instituição atende 140 pessoas, algumas de cidades vizinhas, e investe na formação de professores e no apoio pedagógico para quem tem problemas de aprendizagem decorrentes de déficit de atenção ou deficiência intelectual leve.
Em fevereiro do ano passado, Suzana Cristina faleceu, pouco antes de completar 24 anos. “Sempre achei que, quando isso acontecesse, eu não teria condições de continuar”, revela Sulemi. “Mas arrumei forças para voltar com a determinação de sempre.”
A escola transgressora – Dagmar Garroux
Foi o inconformismo com a educação brasileira que levou a pedagoga Dagmar Garroux a criar um dos projetos sociais mais bem-sucedidos do Brasil. Frustrada com o formato das escolas convencionais onde trabalhou, ela fundou a Casa do Zezinho, instituição que atualmente atende 1,2 mil moradores de comunidades pobres no extremo sul da capital paulista.
Em uma casa de 5 mil metros quadrados no Capão Redondo, eles aprendem informática, línguas, música, esporte. “Na maior parte das escolas, as aulas são dadas da mesma maneira que no século passado. Isso não funciona”, opina Dagmar. “Educação é um ato de sedução.
Precisamos promover uma verdadeira revolução no ensino.” Por isso, as crianças têm aula de filosofia desde os 6 anos. A ideia é estimular o raciocínio crítico e uma postura questionadora diante da vida. A ONG vem diversificando a atuação. No quarteirão vizinho, funciona o Se Cuida, Zezinho, clínica de medicina integrativa que oferece consultas nas áreas de acupuntura, psicoterapia e odontologia, além de aulas de ioga. Há ainda projetos que estimulam o empreendedorismo e capacitam a mão de obra feminina.
Dagmar é filha de um casal de classe média que, em meados do século passado, já se preocupava em garantir que os empregados domésticos frequentassem a escola e os cursos profissionalizantes para arrumar melhores empregos. Nesse ambiente, a garota resolveu realizar seu primeiro trabalho voluntário e, aos 17 anos, decidiu que seria professora.
Durante a ditadura militar, ela e o marido passaram a abrigar filhos de exilados políticos e a dar aulas para eles. A Casa do Zezinho nasceu quando o casal recolheu e assistiu meninos ameaçados de morte por grupos de extermínio.
“Há 40 anos espero uma grande transformação na educação brasileira. Não acho que isso esteja perto de acontecer, mas não sou eu que vou parar de trabalhar por ela”, diz a pedagoga, que está sempre envolvida com algum novo desafio.
Atualmente, sua atenção está no Ópera Suburbana, que recebeu o incentivo da Lei Rouanet. São oficinas de canto, teatro e dança das quais participam 300 jovens e crianças. O objetivo é compor um grande espetáculo que será encenado em março do próximo ano, quando a Casa do Zezinho completa 25 anos de existência.
Veja também: Os vencedores do Prêmio CLAUDIA 2017
Siga CLAUDIA no Instagram