Quem vê de fora a paixão e a leveza com que Gigi Barreto lida com seu trabalho não imagina que foi da dificuldade que surgiu o Casa Vida Cenário, seu estúdio de interiores.
Por muitos anos, a carioca dedicou a carreira à arte da cenografia, trabalhando com grandes nomes da área, como Helio Eichbauer, Rubens Gerchman e Gringo Cardia — além de fazer parte de projetos marcantes, como shows de Maria Bethânia, Adriana Calcanhoto e Alcione, entre tantos outros.
Mas os projetos, que navegavam em circunstâncias muito favoráveis antes, foram interrompidos pela pandemia do coronavírus, que se apresentou mais avassaladora para alguns setores, incluindo o artístico.
“Acho que isso tudo veio de um recurso interno. De eu olhar para esse caos e pensar criativamente como encontrar uma solução para sobreviver. Meu marido é produtor, eu, cenógrafa. Juntos, temos cinco filhos. Só pensávamos no que iríamos fazer”, relembra sobre o período.
“Me vieram duas perguntas: onde era meu palco e quem era meu artista? Eu sou serva de um texto, não tenho esse ego de querer fazer para mim um cenário, minha missão é seguir uma dramaturgia e contar essa história. Então, pensei: ‘Quero que todo mundo tenha uma casa que retrate sua própria história. Essa pessoa vai ser o meu artista’”, destaca, longe de romantizar o momento de desesperança.
Para sobreviver àqueles tempos, o jeito foi apostar todas as suas fichas naquilo que sabia fazer de melhor: encantar os olhares através de sua “arquitetura humana e design afetivo”, como descreve sua função.
Gisele — ou Gigi, como prefere — passou a compartilhar no perfil @casavidacenario detalhes do seu lar, que era o cenário que tinha disponível no momento. Com tanta gente em casa fazendo o mesmo, essa rotina poderia passar despercebida. Entretanto, seu carisma e a décor com personalidade resultaram no sucesso que a empresa é hoje.
“Quando a casa está desorganizada, minha cabeça não funciona, fico muito mexida internamente. O que me faz acessar minha potência é manter uma rotina com disciplina.”
Gigi Barreto
Com quase 100 mil seguidores no Instagram e vinte colaboradores, a Casa Vida Cenário floresceu e transformou-se em muito mais do que um perfil de rede social com inspirações para amantes do design. Converteu-se em estúdio de arquitetura de interiores, consultoria, workshop e tudo mais que a criatividade da idealizadora permitir.
“No começo, até vir o primeiro cliente, precisei mostrar meu próprio lar. A rede foi crescendo e passei a explicar a importância de olhar para a casa de forma mais madura. Falava sobre o que era essencial: validar seu desejo, sua individualidade, e resgatar a originalidade do seu imóvel”, detalha a empresária, que hoje tem no portfólio projetos de casas como a da atriz Mônica Martelli, do casal Nanda Costa e Lan Lanh e da comunicadora Luiza Brasil (veja aqui o apartamento).
A trajetória ao lado de grandes mestres cenografistas certamente lapidou o talento de Gigi para que ela fizesse seu papel hoje com tanto esmero. Entretanto, foi em casa que, desde pequena, aprendeu a apreciar o belo.
“Na minha família não tem ninguém ligado à arte”, conta ela, que é filha de um ambulante e de uma professora primária. “Entretanto, minha mãe abriu uma lente no meu olho. Ela fez com que eu percebesse que a beleza mora nos detalhes. Quando construiu meu quarto, fez a colcha combinando com a cortina e as almofadas. Já meu pai, diante de uma dificuldade, deixava o problema de lado. Aprendi a enxergar de vários ângulos, para que não me congelasse”, relata com admiração. “Eu sou uma artista; não sou decoradora, arquiteta e nem designer — não fiz faculdade. Mas acho que sou o que eu sou porque aprendi muito com eles.”
SINGULARIDADES
A mudança para seu apartamento atual, localizado próximo à Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, veio em 2020. “Quando a casa está desorganizada, minha cabeça não funciona, fico muito mexida internamente. O que me faz acessar minha potência é manter uma rotina com disciplina.” Foi inspirada por essa energia de organização mental, espiritual e física que ela, rapidamente, colocou todo seu lar em ordem durante o isolamento.
Apaixonada por receber, Gigi conta que foi desse sentimento que foi concebida a obra instalada no seu hall de entrada. Intitulada Mátria, a pintura na parede tem execução do artista recifense Derlon, conhecido por sua arte contemporânea popular. A referência veio da Capela Sistina e do protagonismo feminino. “Ele é um artista amicíssimo meu, então desenvolvemos juntos. Representa minha intenção de que qualquer pessoa se sinta completamente à vontade dentro da minha casa.”
Além disso, a figura feminina está sempre envolvendo seu trabalho. “De todas as casas que fiz na vida, só uma foi para um homem”, revela sobre seus projetos de interiores. “Meu trabalho exige que eu enxergue meu cliente com humanidade, entenda que aquela mulher, às vezes, está numa situação difícil e precisa de uma transformação, reunir aqueles caquinhos. E assim ela pode sair dali maior e mais potente”, acredita Gigi.
Os cômodos do seu lar carioca pulsam uma energia positiva, assim como a moradora. Essa sensação pode ser conferida em sua relação com as plantas, nas obras de artistas nacionais que colorem as paredes e prateleiras, nos livros à mostra…
“Eu sou muito otimista com a vida, uma eterna romântica que pensa que tudo vai dar certo — e se não deu é porque ainda não chegou ao final. A minha casa é isso: são meus gatos vira-latas, as plantas.” Sobre seus espaços favoritos, Gigi cita o sofá “gostoso, para sentar de qualquer jeito” e a grande mesa da cozinha, seu local favorito para conversar com as filhas durante as refeições (único espaço da casa propositalmente livre de wi-fi).
“É uma casa recheada de afeto. Aqui é tudo muito de verdade, não tem nada de caro, você não vai ver uma obra de uma artista hypada, porque eu não tenho dinheiro”, diz. Gigi ri de si mesma com irreverência, a mesma que rege esse lar que arranca suspiros e aplausos.