Quando amigos não iniciados me perguntam sobre The White Lotus eu faço uma explicação resumida: é como um Agatha Christie. Vários personagens com motivações e segredos são colocados em um lugar isolado. Alguém morre, e passamos os episódios decifrando “quem”, “como” e “por qual motivo”, sendo que a resposta nunca é obvia. Só que, é claro, a série é muito mais do que isso. A cada temporada ela começa com a notícia que alguém morreu, e então voltamos ao tempo para descobrir quem é a vítima (e o algoz). Mas acompanhamos um longo estudo psicológico e comportamental que ressoa com todas as culturas. É profundo, mas divertido. Mais ainda, é viciante!
O showrunner, Mike White, já tinha dado show com Enlighted, em 2011, uma série estrelada pela sensacional Laura Dern e que acompanhava “uma mulher autodestrutiva que tem um despertar espiritual”. Na tentativa de ter “uma vida iluminada”, acaba criando conflitos tanto em casa como no trabalho. Embora adorada pelos críticos, a série só teve duas temporadas na HBO. Quando estava viajando com amigos, incluindo a atriz Jenniffer Coolidge que vive a impagável Tanya McQuoid, Mike teve a inspiração para The White Lotus. Os trabalhos começaram junto com a pandemia e o elenco ficou isolado no Havaí, em um hotel verdadeiro que se passa pelo fictício White Lotus (cujo nome é uma auto-homenagem ao autor, “White”). Sucesso de público, algoritmos e prêmios deram sinal verde para a segunda viagem, que acabou no domingo com promessa de uma terceira.
Mesmo que você não tenha visto a primeira parte da história, consegue acompanhar a temporada mais recente. Se tiver visto, vai gostar mais. Na primeira temporada, o autor mostrou vários subtemas com humor e inteligência: o conflito de gerações e o narcisismo dos ricos. Cheia de referências pop – a chegada dos hóspedes é uma referência ao clássico da TV, A Ilha da Fantasia, mas em vez de sonhos logo percebemos vários pesadelos e um clico destrutivo. O isolamento com a natureza parece despertar o pior de todos, em vez do melhor. Na segunda etapa, deixamos o Havaí e desembarcamos na Sicília, com novas personagens e a volta da curiosa Tanya. Como já faz parte da fórmula, há uma morte (nesse caso, várias) e voltamos no tempo para descobrir quem fez a viagem definitiva para Itália. Vou poupar spoilers.
Em meio ao cenário idílico da Sicília, com citações ao O Poderoso Chefão (que foi gravado no local) ou ao clássico de Michelangelo Antonioni, A Aventura, estrelado por Monica Vitti, The White Lotus é rico e inteligente em suas referências. Tanya se compara à estrela do cinema italiano (mas é cruelmente chamada de “Pepa Pig”) e outra personagem, Harper (Audrey Plaza), revive frame por frame uma das cenas mais famosas do filme, tudo colabora para tensões crescentes. E o mais interessante é que Mike White insiste em nos mostrar o conflito de comunicação entre as pessoas. Nunca a verdade foi tão solitária e a mentira tão conveniente. Há gerações de jovens tentando ensinar aos mais velhos “o que mudou”, há a geração X no meio do caminho, mas mais do que tudo o que está no centro do palco é a velha dicotomia da honestidade ou falsidade e, mais uma vez, de forma brilhante. Ninguém é o que parece ser, voluntariamente ou não.
E são as personagens femininas que acabam se destacando. Já falei de Tanya, a milionária que rendeu merecidamente o Emmy de Melhor Atriz à Jeniffer Coolidge (e que deve repetir o feito no próximo ano), mas a segunda temporada parece ter encontrado sua substituta como favorita: Daphne Sullivan (Meghann Fahy). A esposa traída e desconectada de Cameron Sullivan (Theo James), é tudo menos boba. Curiosamente, a atriz que brilhou como Daphne fez teste para um papel na temporada anterior, mas não foi escolhida. Lembraram dela para um papel que poderia ser até menor, não fosse a sutileza e a emoção que Meghann imprime à Daphne. Sua tática de fazer vista grossa às falhas dos que a cercam poderia ser vista como tóxica e antiquada, mas conquistou apoiadores ao redor do mundo. Sai vencedora de um trabalho onde todos estão espetaculares.
E quem morreu na Sicília? Bom, a conclusão das vítimas acaba sendo lógica (não quero dizer que é obvia) e, em retrospecto, foi avisada desde o início. Porém, a originalidade de como chegam lá é ao mesmo tempo engraçada, triste, trágica e emocionante. Mike White promete que a terceira temporada manterá a morte como denominador comum, mas que deve abordar os conflitos religiosos do oriente e ocidente. Vindo dele, sabemos que acertará na mosca!