A onda apocalíptica e a tristeza de “The Last Of Us”
Conteúdos que alertam e ressaltam tempos difíceis de sobrevivência pipocam nas telas, e a série capta com sensibilidade o possível destino da humanidade
Conteúdos que alertam sobre “o fim dos tempos” estão longe de ser novidade. Seja pelo viés de terror, humor, drama ou até objetividade, consumimos os alertas, mas pouco fazemos para deixá-los no campo de ficção. Filmes como “Não Olhe para Cima”, “Contágio”, “A Estrada” (esse é um soco no estômago) antecipam um futuro próximo e apavorante. O lançamento da Apple TV Plus, “Extrapolations”, com um elenco que deixa a gente tonta no trailer, para mim é mais uma série de terror do que drama. “The Walking Dead” e “The Last of Us”, com seus zumbis, quase são “diversão” em comparação. Enquanto não podemos checar a apavorante história do showrunner Scott Z. Burns (que escreveu “Contágio”, uma parábola lançada em 2011, exatamente como a pandemia que vivenciamos em 2020), vale comentar o brilhantismo de “The Last of Us”, que está se encaminhando para o final de sua primeira temporada.
“The Last of Us” já estreou como possível fenômeno do ano, o que foi confirmado em poucos episódios, deixando a HBO na frente de lançamento de conteúdos engajadores e emocionantes. A história tem premissa simples como outras do gênero porque se trata de um apocalipse assustadoramente próximo de nós. Para nos deixar ainda mais angustiados, o foco da infecção é gerado por um fungo, não uma bactéria, gerando maior dificuldade de encontrar uma cura e – no caso da série – espalhado com uma velocidade astronômica. Em 24h, o mundo estava contaminado. Para os fãs da genial franquia “The Walking Dead” falar de “The Last of Us” é chover no molhado. A longevidade da série da Fox, com nada menos do que 11 temporadas e futuros spin-offs, é extremamente relevante, tanto por sua narrativa amarrada como pela inovação de storytelling. Em comparação, “The Last of Us” é um conteúdo sensacional, mas não necessariamente original, mas a série vem de um universo que tem muita força de mercado de consumo: o dos gamers.
Lançado no mercado em 2013, o jogo ganhou uma sólida e apaixonada base de fãs, que celebra há anos o fato de que ganhou Hollywood. A produção tem sido respeitosa à fonte, usando os mesmos ângulos e até os diálogos, o que deixa um mapa perigoso para quem não gosta de spoilers. Afinal, basta um click online e já sabemos o que vem a seguir. Se você ainda não sabe da trama, o mundo praticamente se desfaz em 2013, quando o surto de um fungo mutante – Cordyceps – devasta o planeta, transformando seus hospedeiros humanos em criaturas agressivas e canibais (em outras palavras, zumbis). Os sintomas dos infectados aparecem em apenas dois dias, mas uma vez identificado, não tem cura. No meio dos sobreviventes temos o drama do ex-soldado Joel Miller (Pedro Pascal), hoje um contrabandista que sabe circular nas zonas de perigo, mas cujo passado trágico envolve ter perdido sua filha, Sarah, quando ele e seu irmão, Tommy (Gabriel Luna), tentavam fugir, no início da pandemia. Ela foi baleada por um soldado enquanto corriam, morrendo em seus braços. Prático e tentando ser insensível, Joel recebe a missão de “contrabandear” uma adolescente, Ellie (Bella Ramsey), que pode ter em seu sangue a cura para o Cordyceps. A série mostra como o relacionamento dos dois vai se desenrolando ao mesmo tempo que tentam sobreviver em um cenário repleto de violência.
O que tem gerado muito elogio à “The Last of Us” é trazer as personagens em pequenos contos que questionam nossas relações, sempre colocando visões opostas com empatia. Claro, há clichês. Como vimos em “The Walking Dead”, às vezes os zumbis são menos ameaçadores do que a natureza humana e isso também é relatado em “The Last of Us”, afinal, sem esperança, sem água, comida ou remédios, sobreviver desperta o pior e o melhor das pessoas. Infelizmente o pior costuma prevalecer.
Pedro Pascal está voando no papel de Joe e suas emoções são reveladas em pequenos gestos. Bella Ramsey é boa como Ellie, mas ainda não é empática como esperado. A ver como ficará quando seu protagonismo for colocado à prova. Joel e Ellie vêm de caminhos opostos: ele perdeu a esperança e empatia com a pandemia, ela que já nasceu no cenário desolador e só conheceu dor e medo, mantém a positividade inerente de sua juventude. Aos poucos, ela vai herdando a visão de Joel e ele a de Ellie, mas isso acontece pelas pessoas que cercam a dupla. O sacrifício de Tess (Anna Torv), a singela história de Bill (Nick Offerman) e Frank (Murray Bartlett), e na última semana, a de Henry (Lamar Johnson) e Sam (Keivonn Woodard). Assim como os dois protagonistas, nós também somos impactados por essas pequenas passagens.
Nada mais claro da efemeridade das relações e decisões como ficou claro no lindo 5º episódio da temporada, que teve mais ação do que o icônico 3º episódio (que focou em Frank e Bill), mas com igual emoção. Frank e Bill mostraram como duas almas gêmeas conseguiram criar um espaço sagrado entre eles, um amor genuíno e dedicação de companheiros que em outras circunstâncias, jamais teriam a oportunidade de serem livres.
Agora conhecemos Henry e Sam, os irmãos cujo destino definiu as vidas de outros irmãos, Kathleen (Melanie Lynskey) e Charlie. Isso porque, para salvar Sam, que tem leucemia, Henry fez a difícil escolha de entregar Charlie para os inimigos, os opressores da FEDRA, a única maneira para conseguir os remédios para Sam. Charlie foi morto pela FEDRA, levando a Kathleen a uma sangrenta busca por vingança. Como em todo conteúdo desse gênero, a respostas para questões como “o que se pode fazer para sobreviver e salvar quem amamos?” ou “vale a pena tentar?” são igualmente difíceis. Não há certo ou errado, há apenas desolação.
Esse foi um episódio curto, mas importante para a virada da relação entre Joel e Ellie. Estar em Kansas nunca foi tão apavorante desde que Dorothy foi pega pelo tufão em O Mágico de Oz. Pena que bater os pés não muda nada, o pesadelo é mesmo a realidade. E nós deveríamos prestar mais atenção, para não transformar a ficção em realidade.