Jodie Foster é uma pessoa muito tranquila e senhora de si, o oposto que se poderia esperar de uma lenda de Hollywood, com dois Oscars de Melhor Atriz e respeito unânime como diretora, roteirista e produtora. Ela tem mais de 100 créditos cinematográficos em seu nome – começou ainda atriz mirim – e mesmo sem jamais usar a carta de celebridade ou ter presença nas redes sociais, mantém o interesse sobre sua vida e carreira intactos. Sua autenticidade talvez seja o segredo de uma vida saudável.
O único momento em que sua vida pessoal superou a atenção da profissional foi quando foi apontada como “inspiração” para a tentativa de assassinato do Presidente Reagan, nos anos 1980, justamente por ter sido a história de Taxi Driver alguns anos antes.
Naquele momento, estudando em Yale, Jodie passou um período longe dos Estados Unidos, gravando na Europa (ela, inclusive, fala francês fluentemente), só retornando nos anos 1990, quando ganhou seus Oscars e estreou como diretora.
Hoje com mais de 60 anos, segue na ativa em frente e atrás das câmeras, e é o principal nome do resgate da franquia True Detective, uma das mais elogiadas da HBO Max, marcando sua “estreia” nas plataformas e TV.
E foi para divulgar a série que a atriz esteve na CCXP São Paulo no final de 2023, conversando empolgada sobre a experiência.
CLAUDIA: Esta é a primeira temporada de “True Detective” que é dirigida, produzida e escrita por mais mulheres. Qual o impacto isso teve sobre você como atriz e diretora?
JODIE: Ficamos entusiasmadas com o fato de haver mais mulheres em Hollywood. Quando eu era criança fazendo filmes, a partir dos anos 1960, não existiam mulheres. Havia quem quer que fosse a senhora que estava interpretando minha mãe e possivelmente uma maquiadora ou supervisora de roteiro.
Então cresci pensando que não poderia ser diretora de cinema, porque não via nenhuma mulher. Eventualmente, minha mãe continuou me dizendo “você tem que escrever. Eles nunca deixarão você dirigir, a menos que você escreva”.
E as poucas mulheres que surgiram ajudaram outras mulheres, grandes avanços foram feitos. Estamos felizes que a HBO MAX esteja na vanguarda do interesse em novas vozes, vozes diferentes, histórias diferentes, centralizando as experiências das mulheres de maneiras que nunca aconteceram antes.
CLAUDIA: Como você descreveria sua personagem de “True Detective” em comparação as suas outras personagens icônicas?
JODIE: Bem, eu amo Liz Danvers. Amo essa personagem porque ela é honesta e isso significa que ela também é uma idiota. [risos] Muitas vezes ela não está acordada. Acho que ela está bastante inconsciente de suas próprias motivações. Ela não sabe como afeta as pessoas. Ela acha que as coisas são engraçadas quando não são engraçadas. Ela tem amor em seu coração, mas o mundo mudou de uma forma que ela não entende e ela tem que acompanhar, acho que como todos nós.
Mas, honestamente, para mim a parte mais interessante de fazer o True Detective foi apoiar a nova voz, uma nova voz, que é a personagem de Kali Reis, a detetive Navarro. E acho que mesmo quando começamos a conversar sobre a série com Issa López [diretora], nós meio que sentimos que fiz engenharia reversa: em vez de pensar em Liz Danvers, perguntava ‘o que Navarro vai fazer? Vamos fazer com que Liz faça o oposto’. E nós meio que invertemos para que realmente a voz da série seja a personagem de Kali, a soldado Navarro. Desculpe, mas só a chamo assim. [risos]
CLAUDIA: Como você define a essência da série “True Detective”?
JODIE: Enquanto estava fazendo O Silêncio dos Inocentes (Silence of the Lambs) entendi que os enredos são apenas desculpas para os personagens se revelarem uns aos outros e a si mesmos e que a psique deles é o objetivo do filme. Para mim esse é o gênero em particular e a razão pela qual você encontra o assassino. Você mergulha nos amores, na perda, na beleza, as decepções desses personagens.
O que esses detetives fazem é mergulhar em si mesmos quando encontram um assassino ou as pessoas que foram mortas. Portanto, é através dessa compreensão do mundo que eles chegam à compreensão de si mesmos. E não fiquei tão animada com algo quanto fiquei com True Detective, porque foi tudo muito intencional, tudo estava na cabeça de Issa Lopez, mas ao mesmo tempo houve tantas verdades que puderam ser descobertas através do processo de compreensão da série filme que pareceu uma das experiências mais ricas da minha vida.
CLAUDIA: E em comparação às temporadas anteriores?
JODIE: Ser um fã da série True Detective diz que você gosta de algum tipo de imprevisibilidade. É muito imprevisível na superfície. Elas podem parecer boas detetives e organizadas, tem uma delas que talvez seja mais detetive que os outros, um pequeno canhão solto, mas quando junta as duas personalidades existe uma química incrível, que simplesmente funciona. Provavelmente não funcionaria em uma amizade, mas funciona na investigação. É como um relacionamento ruim que simplesmente funciona. É a dança da imprevisibilidade. Duas personagens muito profundas com suas próprias vidas que se unem por um objetivo comum.
CLAUDIA: Qual foi o momento mais difícil durante as filmagens?
JODIE: Bem, por onde eu começo? [risos] Ah, não, foi a coisa mais fácil. Estar tão confortável! [mais risos, porque gravaram em locais isolados e nevados]. Quero dizer, o frio, estava frio. Se parece frio, estava frio. Não há muita atuação lá. Acho que o maior desafio foi quando não estava tão frio e tínhamos que estar com frio. Isso foi o mais desafiador, porque havia muitas outras coisas com que me preocupar. [risos]
Kali teve muito mais cenas externas do que eu, e ela congelou. Houve dias em que tivemos que sair à meia-noite, porque havia uma grande tempestade chegando, mas por alguma razão, tive sorte. Houve apenas cerca de 8 ou 10 dias em que fiquei doente e perdi a voz. E esses foram os piores dias da gravação. Mas adorei trabalhar com a equipe, adorei trabalhar com a Issa, minha diretora favorita com quem já trabalhei, e olha e trabalhei com muitos diretores e alguns deles não são ruins [risos].
CLAUDIA: “True Detective” tem a tendência de apresentar protagonistas opostos, como mencionou. Como esses Denver e Navarro agem nesse sentido?
JODIE: Nós nos odiamos no começo, mas sempre há respeito. Essa também é uma verdadeira característica de True Detective – não importa o quanto se odeiem e o quanto revirem os olhos um para o outro, eles têm total respeito por quem a outra pessoa é como detetive. Porque o outro é tão obcecado quanto eles. O outro está tão danificado quanto eles. E acho que essa é a conexão deles.
Eu sinto que as duas personagens têm muito a aprender uma com a outra, e Issa fez uma coisa muito inteligente ao fazer com que suas jornadas, de certa forma, fossem uma espécie de jornada sombria. Minha personagem está, você sabe, despertando, e a personagem de Navarro está aprendendo a administrar o medo em torno de quão acordada ela está. E então eles são como jornadas ligadas.
CLAUDIA: Você tem experiência de trabalhar com monstros na tela. Qual é a coisa mais desafiadora em contar esse tipo de história?
JODIE: Eu os amo. Adoro drama e adoro ir às partes mais profundas e sombrias da alma. É por isso que faço filmes. É por isso que vou ver filmes para habitar naquele espaço. Então sim, gosto de lidar com monstros. Uma das melhores coisas sobre O Silêncio dos Inocentes é que na relação entre Lecter e Clarice ela não pensa nele como um monstro. Ela quer entendê-lo, o vê como inteiramente humano, enquanto os outros personagens o colocaram em uma caixa de uma pessoa monstruosa, que não merece viver.
Ela quer conhecê-lo para solucionar o crime e sinto que isso também é verdade para qualquer um que seja excelente como detetive: tem que respeitar o assassino e entender as motivações dele. Só compreendendo e respeitando como sere humano é que conseguirá compreender e acabar com o crime, fazer as perguntas certas.