Talvez a imagem mais marcante de Faye Dunaway para novas gerações, infelizmente, estará sempre ligada ao maior vexame da história do Oscar, pois foi ela que anunciou erradamente La La Land como o vencedor de Melhor Filme em 2017. Na época, muitos diziam que a confusão criada pelo auditor só aconteceu porque ela e Warren Beatty se detestam tanto que não se falam, por isso, quando ele quis mostrar o envelope, sem olhar para ele, Faye simplesmente anunciou o vencedor. Lendas de Hollywood nascem assim, mas, por conta da fama de difícil da atriz, muita gente levou essa versão em consideração.
É uma longa introdução, eu sei, mas antes de falar do “documentário” Faye, que chegou à MAX agora em julho de 2024, preciso fazer outro adendo, quase como um ‘disclaimer’. Sempre critico a onda de “documentários” que vem ocupando as plataformas, muitos deles beirando o perigo de serem puramente propaganda formatada como ‘jornalismo’.
É fácil identificá-los. Em geral, apresentam o biografado sem ter preocupação com a verdade factual, apenas citando a verdade sentimental, com frases como “minha verdade” ou a “minha voz”. É importante estar atento para não cair no gaslight.
Nesse cenário, o “documentário” Faye, é outro exemplo e demanda maturidade e cultura para ser apreciado. O filme, que teve destaque em Cannes em 2024, é uma oportunidade, ou seria, para efetivamente conhecer quem é (“verdadeiramente”) Faye Dunaway, uma das melhores atrizes americanas das décadas de 1970 e 1980, cuja fama unânime de difícil a fez ser igualmente lendária nos bastidores (pelas razões erradas).
Vamos contextualizar: em tempos em que assédio moral era aplicado sem vergonha em ambientes de trabalho, Faye Dunaway era famosa por ser uma pessoa tóxica e agressiva com todos, ganhando fama de insuportável. Sem surpresa, mesmo talentosa, foi perdendo papéis até acabar em quase ostracismo. E Faye veio com a intensão de mudar essa perspectiva.
Com essa abertura “positiva” seria fácil imaginar que eu não sou fã da atriz, mas é o contrário. Era criança quando o estrelato de Faye Dunaway estava no auge e, para mim, ela é mais do que Bonnie Parker ou Joan Crawford, ou minha Milady de Winter favorita. Ela simboliza uma Hollywood intensa, elegante e sempre surpreendente.
Quando fui sabendo de sua personalidade complexa nos bastidores, inicialmente fui cética quanto aos relatos, mas depois tive que acreditar neles e aceitá-los.
Fama de difícil, em geral, era um termo misógino aplicado às “mulheres de personalidade forte”, inteligentes e corajosas, mas nesse caso não, era mesmo um aparente problema de paciência curta e muita vaidade. Estava louca para que Faye fosse validar ao contrário.
Se você é muito nova e nunca ouviu falar em Faye Dunaway, o documentário não vai te ajudar a conhecer sua filmografia, porque faz um resumo quase superficial. Vou pegar carona na versão ainda mais curta: nascida Dorothy Faye, ela é de origem pobre do sul dos Estados Unidos, que sempre sonhou em ser atriz e que se destacou por sua beleza inegável.
Quando foi possível, foi estudar Teatro em Nova York, entrando para o grupo de protegidos de Elia Kazan e brilhou na Broadway antes de ser levada para Hollywood com apenas 20 e poucos anos.
Ficou famosa rapidamente, virou ícone fashion e ganhou o Oscar pelo espetacular Rede de Intrigas (Network), em 1977. Mas até a complexa Bette Davis reclamava abertamente de seu comportamento como pessoa: irritada, grosseira e seca com as pessoas.
Apenas outras estrelas também com fama de problemáticas, como Sharon Stone, a defendem abertamente. Em outras palavras, no caso de Faye Dunaway, não era apenas um rumor que nem Faye tenta esconder. Na verdade, é para endereçar essa questão que foi feito o documentário, um caso de um pouco tarde demais, ela mesma reconhece.
O que seria uma ótima oportunidade para saber mais de seu talento, se perde em relatos de poucos títulos: Uma Rajada de Balas (Bonnie and Clyde), Os Olhos de Laura Mars, Chinatown, Rede de Intrigas (Network), Barfly e Crown, o Magnífico (The Thomas Crown Affair), são os escolhidos. E sim, há um espaço especial para “justificar” o massacrado Mamãezinha Querida.
O diretor Laurent Bouzereau deixa bem claro que há mesmo uma Faye Dunaway irascível desde o primeiro minuto, quando já a mostra mal humorada antes mesmo de começar a gravar, mas depois disso é só doçura. Isso porque Faye Dunaway sempre foi excessivamente franca, nada disso é novidade, a diferença é que agora ela tem um diagnóstico de transtorno bipolar, que, como ela mesma diz, não apaga o passado, mas sugere que ela não teria controle sobre sua personalidade. A proposta é de rever sua trajetória com outros olhos.
Eu amo Faye Dunaway, preciso repetir, mas Faye não é nem um documentário ou uma entrevista, é quase um release onde tudo é recontado para que a vejamos como uma mulher perfeccionista, intensa, dedicada e ambiciosa e cujo diagnóstico tardio de bipolaridade é a razão de todos os conflitos.
Mas não há quem testemunhe o lado negativo dela, só temos defensores, mesmo que poucos (e já incluindo seu filho). Ou seja, há um grande silêncio de colegas e amigos. Ensurdecedor, diria.
O diretor já tinha entregado o ótimo Natalie Wood: Aquilo que Persiste (Natalie Wood: What Remains Behind), também na mesma plataforma, e negou que fosse um “projeto de vaidade” de Faye Dunaway. Também argumentou que excluiu muitas das histórias (a com Bette Davis é uma delas) para não perder o foco do roteiro.
Para ele seria importante revelar “Dorothy Faye” para o público, não justificar Faye Dunaway. Mais ainda, sua intenção é nos mostrar que Hollywood foi injusta com a atriz, mas. ele não acerta no marco.
No final das contas, temos uma hora e meia de Faye Dunaway sendo Faye Dunaway, uma diva em todo sentido da palavra, fazendo uma carta de meia desculpa por ser quem é. Por não se arrepender de nada (e por que se arrependeria?), é impossível escapar de uma sensação de vazio, ou até de superficial, que o “documentário” (não posso excluir as aspas) nos entrega.
Por isso Faye é um tanto agridoce. Suas grandes atuações não são exploradas, e nem mesmo sua fragilidade. O efeito é oposto: aos 83 anos, se torna ainda mais misteriosa. E sem remorsos. “Não pretendo dar uma desculpa sobre isso”, diz ela em Faye. “Ainda sou responsável pelas minhas ações.” Ninguém duvida!