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“Sentia muita dor nas costas quando descobri um câncer no estômago”

No início de 2023, a estilista gaúcha, Eduarda Galvani, de 32 anos, descobriu um câncer e tudo pareceu mudar de imediato

Por Kizzy Bortolo 
6 fev 2024, 10h35
A estilista Eduarda Galvani
A estilista Eduarda Galvani. (Acervo/Divulgação)
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No início de 2023, a estilista gaúcha Eduarda Galvani, de 32 anos, descobriu um câncer no estômago após sentir fortes dores nas costas. O que ela achou que fosse uma bobagem a levou para a mesa de cirurgia para fazer a retirada total do estômago, o que a fez passar um longo período dentro da UTI, precisando readequar sua vida e rotina para enfrentar a nova fase. 

Eduarda conta como encontrou no seu trabalho como estilista uma válvula de escape para combater aa temida doença, e como tudo isso ajudou a fortalecê-la como mulher e profissional. Através da moda, ela colabora com projetos sociais, ajudando outras mulheres a exaltar a beleza feminina e também a disseminar informações precisas sobre a importância de estar atenta aos sinais do corpo para prevenir doenças mais graves.

*Depoimento à Kizzy Bortolo 

“Cresci no interior, mais precisamente, em Encruzilhada do Sul, no Rio Grande do Sul e, desde a infância, tenho referências familiares muito ligadas à moda. Me lembro de ver a minha avó, Celina, criando e tingindo peças para grandes estilistas de Porto Alegre. E este lindo trabalho manual de criação da vovó me inspirou muito desde pequena.

Mesmo sem possuir muita técnica, passei a desenhar e costurar em casa. Aos 15 anos, minha primeira peça desenhada foi o meu próprio vestido de debutante. Na época, participei de todo o processo, pois passava horas e horas vendo a minha tia costurar e a renda usada no meu vestido era uma estilo francesa que minha avó guardava. Anos depois, usei essa mesma renda para criar e fazer o vestido de noiva da minha cunhada.

Misturar tecidos, criar esboços, moulages, mesmo sem entender, na época, o que aquilo significava. Mas, o amor pela moda e por vestir pessoas trazendo a personalidade delas nas peças já era algo que pulsava no meu coração desde que me entendo por gente. 

Na juventude, sempre criei para as minhas amigas, fiz os vestidos de formatura delas, o meu vestido todo pintado a mão, trazendo as referências das técnicas da minha avó.

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Para me aperfeiçoar, decidi ir para fora do país estudar moda e me formei em estilismo pela London College, no Reino Unido. Além da faculdade,  também fiz outros cursos internacionais na área e, ao voltar ao Brasil, cursei uma nova faculdade em Design de Moda. Trabalhei em diversas áreas até montar o meu próprio negócio, meu atelier. Fiz eventos, fui auxiliar de vitrinismo, vitrinista, vendedora de loja, modelagem, até a parte de costura.

Não tive muito o apoio dos meus pais, mas isso foi apenas mais um combustível para que eu continuasse indo atrás dos meus ideais. A minha avó, na época, foi a única que disse que me apoiaria no sentido de me ajudar a fazer as roupas, a organizar meu atelier. Juntas, nós arrumamos o antigo quarto do meu irmão, que estava vazio, e deixamos o espaço com uma carinha de atelier de costura com referências francesas. Ficou muito fofo! 

Nove anos se passaram, consolidei a minha grife no mercado gaúcho e nacional, já fiz roupas e assinei peças para famosas como Juliana Paes, Negra Li, Ludmilla e Mariana Rios. Porém, a vida nos prega cada peça. O ano de 2023 começou com uma surpresa nada agradável para mim.

Com a correria, acabamos deixando de lado algumas coisas muito importantes na nossa vida, tal como a nossa saúde. Costumava sentir muitas dores nas costas e também um pouco no abdômen, que não tinham relação com o problema que descobri, mas que foram importantes para que eu chegasse ao diagnóstico correto.

No início, pensava até que era devido ao excesso de trabalho, muitas horas sentada na máquina de costura. Mas não. E, além disso, eu também sofria muito com náuseas constantes. Em uma volta da praia, em fevereiro do ano passado, tive uma crise muito forte de dor e, graças a Deus, como tenho pessoas especiais ao meu lado, me fizeram ir ao pronto socorro. Fui até o hospital  para fazer alguns exames, só que como, aparentemente, eram apenas dores nas costas, eles estavam sem grandes anormalidades, apontando apenas um pouco de anemia em um teste de sangue. 

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Lembro que minha mãe estava de férias naquela semana e eu não queria que ninguém contasse a ela que eu havia passado mal, porque sabia que ela iria querer voltar no mesmo instante para Porto Alegre. Contaram, ela voltou de viagem e disse que aquelas dores não eram normais. A partir daí, o médico da família foi até o meu atelier, prescreveu alguns exames e me disse coisas muito importantes que jamais vou esquecer.

Nesse momento virei uma ‘chavinha’ na minha cabeça e passei a priorizar a minha saúde. Marquei para o dia seguinte uma endoscopia e uma eco mamária, que sempre fazia,  levando em conta que a minha mãe teve um câncer de mama aos 35 anos.

Fiz a endoscopia e, ao sair do exame, a médica me disse que eu tinha uma gastrite e uma úlcera, mas que estava tudo certo. Porém, uma semana depois, o hospital tentou ligar para o meu celular e eu não atendi. Lembro que estava voltando de uma gráfica, porque estava imprimindo alguns relatórios e estava um pouco estressada, na ocasião. Minha mãe não parava de me ligar.

Ao falar com ela, me disse que precisávamos nos encontrar para conversar. Sempre tivemos uma ligação muito forte, então sabia que tinha algo de errado ou que algo grave estava prestes a acontecer. Quando cheguei no atelier, ela e minha avó estavam me esperando para ir imediatamente ao hospital. Me assustei, claro!

Tinha uma viagem à trabalho para São Paulo no mesmo dia, que não poderia ser remarcada. Na ocasião, eu participaria de um podcast para falar sobre a minha trajetória profissional. Ao chegar no hospital, no dia 27 de fevereiro de 2023, a doutora que tinha feito a minha endoscopia foi o mais sensível possível e me disse que a gastrite ulcerada se detectou como um tumor maligno no estômago e que, pelo tamanho e a localização do tumor, eu deveria fazer a retirada de todo o meu estômago.

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Perdi o chão na hora! Como assim? Até a pouco tempo eu estava bem e trabalhando normalmente. Sei lá, acho que nunca passa isso na cabeça da gente, ainda mais para quem tem o histórico familiar.

E pensei: ‘Mas, no estômago? E por que no estômago?’ Hoje, para mim, algumas coisas fazem muito sentido e foi como se um filme de toda a minha vida passasse na minha cabeça, da minha trajetória até ali. Em seguida, fui direto a um cirurgião, e acabei indo em vários outros profissionais até decidir por um.

O médico me disse algumas coisas que foram tão difíceis de escutar naquele momento, mas segui firme no meu propósito de operar e ficar bem. De me livrar logo daquele tumor maligno. Pensei em tudo que poderia não acontecer dali pra frente. Tive que tomar algumas decisões difíceis, abandonar algumas coisas e não mais pensar e focar em trabalho como eu vinha fazendo nos últimos anos. 

Mesmo assim, no mesmo dia, resolvi embarcar para São Paulo, fiz o podcast (não sei como, estava totalmente sem cabeça) e, quando voltei,  uma maratona intensa de médicos. Por sorte, tive os melhores profissionais ao meu lado. Tive a minha família o tempo inteiro, sem hesitar, sem largar a minha mão. Acredito que isso, com certeza, não tem preço e diz muito sobre a nossa vida! 

Descobri ali, naquele momento, que sou muito mais amada do que imaginava que era. Meus amigos foram incríveis, inseparáveis.

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Fiz uma gastrectomia total, uma cirurgia bem longa de oito horas, e fiquei mais de 10 dias na UTI. O pós-cirúrgico foi bem complicado, e até hoje tenho muita dificuldade para comer. Não consigo comer carne, já que a carne vermelha é de difícil digestão, assim como frituras. Ainda tenho muitas náuseas, acabo enjoando bastante, até mesmo ao tomar um simples copo de água.

Imaginei que não precisaria fazer a quimioterapia, mas foi necessário – e um pesadelo. Terminei o processo de quimioterapia em novembro de 2023, foi longo, puxado e cansativo. Tive muitos efeitos colaterais, apesar de eu não ter tido queda de cabelo. Os enjoos, as náuseas, o cansaço exacerbado. Sem falar o tanto que perdi de massa muscular…

Tive uma crise que costumam chamar de ‘mão e pé’: minhas mãos ficavam geladas e eu não podia tocar em nada de alumínio ou de metal, porque dava choquinhos. Também não conseguia tomar nada gelado porque parecia que eu estava engolindo cacos de vidro.

O meu trabalho no atelier, sem dúvidas, me deu muita força para conseguir lidar com toda a turbulência. Mesmo em tratamento oncológico, continuei trabalhando todos os dias. Não queria ter que me afastar do meu trabalho. 

Fiquei bem, curada e hoje estou aqui para relatar que o meu intuito é organizar um projeto para que a minha história chegue a mais pessoas e que elas se inspirem, positivamente, a enfrentar esse momento que não é nada fácil. A maneira que a gente vê é um poder de cura. Quero ainda poder, neste ano, realizar um trabalho voluntário diferente, que possa inspirar e apoiar muitas mulheres, porque acho que nós perdemos muita força como mulheres neste momento no qual estamos tão vulneráveis, frágeis e com a autoestima baixa.

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Foi em meio ao câncer, no meu tratamento, que foquei todas as minhas forças em criar uma coleção incrível do zero. Essa coleção se chama ‘Recomeço. Zerando a vida para recomeçar! 

A estilista Eduarda Galvani
A estilista Eduarda Galvani (Acervo/Divulgação)

Tenho uma equipe incrível que me deu todo o apoio e o suporte necessários para seguir em frente. Todos foram empáticos comigo. Tenho clientes maravilhosas que também entenderam o meu momento. Acredito que o ato de eu ir para o atelier me fazia ter a sensação de ‘estou seguindo a minha vida e vai dar tudo certo’!

Amo o que faço e não me imagino fazendo outra coisa. Realmente, o atelier era uma força danada para mim em dias muito angustiantes, sem saber se o tratamento daria certo. Porque, muito mais do que um trabalho, foi o que me deu forças para acordar todos os dias, saber que eu tinha que entregar os vestidos e as minhas criações, saber que eu não poderia decepcionar as pessoas que confiavam no meu trabalho, nem ao meu time. Eu sabia que tinha que lutar por eles, pois, querendo ou não, o atelier leva o meu nome e eu assino por essa equipe linda que confia em mim.

Muitos me perguntam sobre a retirada total do meu estômago. Eu não tenho um novo estômago. Nem sei se isso existe, sinceramente. Na verdade, foi feita a ligação entre o esôfago e o intestino. E aí, aos poucos (o que pode levar até dois anos), o organismo se acostuma a esse novo formato. E estou me adaptando bem. 

Mesmo os médicos não falando que eu já estou curada, porque a cura vem depois de cinco anos, já me sinto assim! E já vou ter que fazer várias reposições hormonais como parte do tratamento. A princípio, não tenho mais quimioterapia. Mas tenho que acompanhar de três em três meses para ver se não houve nenhuma progressão, se as células cancerígenas não se espalharam. Tenho fé que não! E, aí sim, após cinco anos é feito o total diagnóstico de cura! 

Sobre as sequelas, o que fica é a questão da alimentação, que ainda é bem difícil. Eu não produzo mais vitamina D e B12. Desde então, sempre preciso fazer  a reposição.

Resolvi compartilhar a minha vida, a minha experiência pessoal com o câncer, uma doença que ainda amedronta tanto as pessoas! Passei por isso, estou passando. É uma luta diária, são muitas batalhas, mas estou aqui, VIVA, me sentindo bem e já ressignificando toda essa dor!”

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