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Se o auge só acontece na juventude, sou uma jovem de 52 anos

Delimitar o auge como algo que acontece apenas quando jovem é tão banal como tirar sarro de uma mulher que com 45 anos entrou para a faculdade

Por Gilda Nomacce, atriz, produtora e diretora
19 jul 2023, 08h38
Gilda Nomacce
Gilda Nomacce. (Leo Martins/Veja São Paulo)
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Ver Michelle Yeoh ganhando o Oscar de 2023, aos 60 anos, nos mostra que nem todas as carreiras acontecem quando se é jovem. Sou atriz desde menina, e iniciar uma nova etapa da minha carreira agora mostra que podemos viver o auge do nosso trabalho a qualquer momento. Por isso, é tão importante seguir realizando nossos projetos. O que é novo? E o que é velho? Aparentemente, tudo fica velho rápido nessa imensidão de novas criações.

Sempre um faz, nunca um fez. Nada melhor para igualar as fases de potência. Hoje, uma menina de 14 anos pode ficar milionária com uma invenção, assim como uma mulher pode ganhar o Oscar de Melhor Atriz aos 60 e viver seu auge, alcançando cada vez um público maior e mais diverso, mostrando todo o seu talento com suas diversas personagens. Nasci em uma cidade pequena e ser atriz era o meu sonho desde criança, mas não sei porque, já que não existia nenhuma referência ali perto, o que poderia se tornar um sonho distante. Mas, para mim, era normal.

Apenas achava que havia nascido atriz e, por isso, foi natural me tornar uma. Em meio a tanta naturalidade sobre tudo, me pergunto se o auge pode ainda estar apenas se aproximando. Isso porque, apesar de várias personagens no cinema nacional, prêmios e aparições em eventos importantes, como Cannes e Berlim, minha carreira continua a me surpreender. Depois de Cidade Invisível na Netflix, vem aí uma protagonista no streaming e uma vilã na série da Disney. Por isso acredito que minha história está, inegavelmente, em plena fase de crescimento.

O que acho incrível é que, mesmo assim, ainda tem muito a ser conquistado, ao contrário do que seria minha expectativa do ponto de vista jovem, que imaginava que com a passagem do tempo se esgotariam também as minhas chances de me realizar na carreira de atriz. Nos meus 50 estou vivendo minha melhor fase até agora, mas acredito que o auge ainda não chegou. Muitas vezes, quando recebo um roteiro, as personagens entre 40 e 50 anos são mulheres representadas como decadentes. Isso mostra como as pessoas enxergam mulheres mais velhas e a minha existência é uma prova contrária a isso.

Me entristece, porque existem tantas histórias dessas idades, ou mais velhas ainda, representadas com suas idiossincrasias e não vítimas de um achatamento cultural, para serem contadas pelo audiovisual, mas nem percebem o olhar etarista. Assim como a mídia também reproduz esse olhar ao noticiar algo sobre pessoas mais velhas, tornando uma “surpreendente notícia” de coisas que estamos totalmente aptos a fazer. Mas, se você for parar para pensar, essa questão do auge é complexa, porque sinto que tenho muito mais para realizar e atingir outros patamares.

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Um artista sempre está buscando se aperfeiçoar, se tornar um profissional ainda melhor e, acredito que por isso, meu auge só poderá ser realmente medido no final da minha carreira. O que, de certa forma, é o contrário da ideia de auge passada na nossa sociedade que relaciona o ápice profissional e pessoal à juventude. Auges múltiplos são muito melhores que um auge único. Brincando com nossa condição de múltiplos orgasmos, sou uma mulher dos múltiplos auges, em múltiplas experiências.

Sou atriz, sou autora, sou diretora, sou empresária e produtora cinematográfica. Então, tenho a crença que tive e terei sempre auges de sucesso, assim como os de insucesso, e resistirei a todos e continuarei apenas o caminho de uma atriz encontrando vida afora personagens de todos os tipos, valores e idades, vivendo vidas encontradas como amigos ou inimigos e todas as outras potencialidades inteiras. Devemos seguir o caminho, comemorando os auges como aniversários regressivos de uma atriz que ama o ofício até o fim. Então, delimitar o auge como algo que acontece apenas quando jovem é tão banal como tirar sarro de uma mulher que com 45 anos entrou para a faculdade. É muito difícil olharem para mulheres mais velhas pensando em um começo e dar chances para elas realizarem sonhos e suas ambições. A minha grande questão no etarismo é este olhar sobre mim mesma, estou me autodesqualificando por ser mais velha? Estou com a minha potência máxima? Na potência que um jovem tem? Eu posso ter? Por que a idade tem que contar como um corte? Ninguém pode usar desse corte, e essa é a minha maior luta.

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