A professora estranhou quando a garota de apenas quatro anos mencionou a palavra vulva. Procurou a mãe dela, Juliana Antunes, e quis entender – nunca havia escutado uma criança daquela idade se referir às partes íntimas daquela forma. “Eu expliquei que era uma parte normal do corpo e que tratamos o tema dessa forma em casa. E ela achou incrível”, relata Juliana.
Não foi sempre assim para Juliana. Aos 30 e poucos anos, ainda com uma filha recém-nascida, ela se surpreendeu ao perceber que não chamava suas partes íntimas pelo nome correto. Vagina é apenas a parte interna – vulva é toda a região externa, visível, como os pequenos e grandes lábios, o monte de vênus e o clitóris.
A informação só chegou até ela ao mergulhar no mundo da anatomia feminina, logo após um convite de sua ginecologista, Ana Luiza Faria: abrir uma empresa de higiene íntima para mulheres.
Mas não qualquer empresa, com qualquer produto. A médica sentia falta de um produto voltado especialmente para tratar os sintomas de mulheres na menopausa. Nessa fase, com a redução dos hormônios, acontece um ressecamento vaginal, que causa incômodo no dia-a-dia e dor na hora do sexo.
Havia apenas duas opções: laser íntimo ou encomendas de cremes com formulações específicas. Nos congressos fora do país, Ana Luiza via outras soluções. Só não chegavam ao Brasil – ainda.
Proposta aceita, Juliana devorou todas as informações possíveis sobre o corpo feminino. Transbordou o conhecimento para família e amigos e virou referência nos papos sobre menstruação, menopausa, masturbação e secreção, mesmo sendo publicitária, uma profissional até então distante da área da saúde.
A jornada de autoconhecimento chegaria também a outra convidada para a futura empresa: Fabiane Giralt, especialista em branding, e paciente de Ana Luiza. Naquela época, Fabiane morava na França e se encantava com o bem-estar dos produtos íntimos naturais vendidos no exterior.
Ela sofria com crises de candidíase que foram amenizadas com sabonetes íntimos. “Lá, eu descobri que minha alergia vinha dos absorventes. Quanto mais produtos orgânicos eu usava, melhor eu me sentia. Isso mudou a minha vida. A dra. Ana esteve num congresso perto de onde eu morava e daí surgiu o papo de fundar uma marca brasileira de sabonetes íntimos naturais”, relembra.
Juntas e empolgadas, as três sócias iniciaram os planos para a gerir a marca. E ela se chamaria Nuaá – uma referência à nua, com o intuito de despedir as mulheres de qualquer tabu e expandir os diálogos entre elas sobre o corpo feminino e suas transformações ao longo dos anos.
“A gente começou a falar de jornadas e para gente o cuidado íntimo faz parte disso. É uma ferramenta de autoconhecimento, como foi para nós também. Então a gente se uniu e fundou a Nuaá”, conta Juliana.
“A gente queria devolver o bem-estar às mulheres, dar liberdade e autonomia a elas. É muito libertador quando a gente se livra do desconforto íntimo”, completa Fabiane. E iniciaram essa libertação antes mesmo do desenvolvimento dos produtos: a página delas nas redes sociais começou como um canal de informação sobre saúde íntima feminina.
As primeiras experiências
Os relatos escutados no consultório trouxeram a urgência de criar um sabonete íntimo hidratante para mulheres na menopausa. Mas não seria o único produto. Elas queriam um sabonete também para o dia a dia, outro para o período menstrual, e um para ser carregado na bolsa.
E todos 100% naturais – a maioria dos sabonetes íntimos sintéticos carrega na fórmula o sulfato, que tem característica adstringente, não recomendada para as regiões íntimas. Com uma máxima: era preciso criar um produto que trouxesse bem-estar, uma sensação de conforto, logo no primeiro contato com a pele.
“O banho é um momento muito importante, o último lugar onde a gente consegue se desconectar do mundo e nos conectarmos com nós mesmas. A pausa para o banho é parte primordial da nossa rotina. Então precisávamos levar conforto com nossos produtos”, diz Juliana.
Para isso, elas usaram duas ferramentas: aromaterapia e textura perfeita da espuma. “Sabe quando você chega em casa com o rosto suado, sujo de poluição e passa um sabão gostoso no rosto? Dá uma sensação de prazer, não dá? A gente queria um produto assim, então o sensorial, na forma da espuma e no aroma, era muito importante”, conta Fabiane.
Até chegar à espuma perfeita levaria meses. Segundo as sócias, chegar à textura ideal é simples com produtos sintéticos – com os naturais o processo se complica. Elas testaram diferentes fórmulas até chegarem ao ideal.
Como não se trata apenas de prazer, a espuma tem outra função: hidratar a vulva. E a escolha do aroma também deveria passar pela questão da saúde íntima feminina. Cada um deles seria escolhido de acordo com a fase da mulher.
Para a menopausa, o escolhido foi o gerânio (usado para reduzir a pele seca e regular os níveis hormonais), para a fase menstrual, a sálvia, e, para o dia a dia, a tangerina. “A sálvia ajuda nos sintomas da TPM, isso é um conhecimento milenar. E o gerânio é mais floral, enquanto a tangerina traz um frescor”, explica Fabiane.
Para fechar o combo da saúde, um terceiro elemento deveria ser acrescentado em todos os produtos: os prebióticos. Assim como a eles favorecem a proliferação de “bactérias do bem” no intestino, na vulva possuem a mesma função.
“Então, a médio prazo, sentimos os benefícios da hidratação. E, no longo prazo, os efeitos dos prebióticos, que que nutrem nossa microbiota e dá cada vez mais sensação de bem-estar e saúde à vulva”, diz Fabiane.
Faltava só resolver outro problema, dessa vez com o fresh, o sabonete íntimo de bolsa, que deve ser espirrado no papel higiênico em locais fora de casa. “Foi difícil chegar na formulação ideal, em que o papel não se despedaça ao receber o sabonete. Foram muitas idas e vindas”, relembra Fabiane.
Idas e vindas que contaram com cobaias – e com especialistas da área na formulação dos produtos. Os protótipos foram testados ao longo de quase um ano por pacientes de Ana Luiza, além dos familiares e amigos das três. Só nasceriam de fato, com o aval de todos, no início de 2020 – justamente quando a pandemia tomou o centro das atenções no mundo todo.
Do virtual para o físico
A pandemia atrasou o lançamento e a estreia da Nuaá. Quando elas estavam prontas, o mundo se fechou para cuidar do maior problema de saúde pública do século. Elas esperaram até agosto, quando eclodiu a greve dos correios – e os produtos passaram a levar até dois meses para chegarem aos destinos.
“A gente começou, então, com a criação de um canal de vendas no WhatsApp. E foi muito legal, porque virou um canal de relacionamento com as nossas clientes. A operação mesmo só começou no início de 2021”, relembra Juliana.
De lá para cá, as sócias da Nuaá desenvolveram outro produto, voltado para adolescentes. “Muitas clientes perguntavam se suas filhas podiam também usar nossos sabonetes. E existe essa questão da puberdade precoce, com excesso de secreções que exigem maior cuidado com a higienização. Um produto voltado para elas poderia evitar futuras doenças”, diz Fabiane. Foi daí que surgiu a caçula da empresa: a linha teen.
Faltava ainda a migração do virtual para o físico – até então as vendas eram apenas virtuais. Um aporte do grupo Semina, farmacêutica que também detém a marca mais conhecida de lubrificantes, o K.Y, em 2023, permitiu uma produção maior dos sabonetes íntimos da Nuaá – e a posterior entrada nas farmácias, no início deste ano.
Com maior demanda e produção em larga escala, os preços dos produtos caíram mais de 20%. “A gente sempre quis aumentar a escala, para democratizar o acesso à saúde íntima. O mundo virtual acaba sendo nichado, pouco acessível”, afirma Fabiane.
E a família Nuaá deve crescer ainda mais este ano. Sem dar muitos detalhes, elas deixaram escapar apenas se tratar de algo ligado ao esfoliamento íntimo. “A gente quer cada vez mais hidratar e higienizar as partes íntimas femininas. E esfoliar a região, sempre com lançamentos ligados à questão de saúde. Estou te dando um spoiler”, conta Fabiane.