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É permitido envelhecer

"Os conceitos de idade e velhice se tornam elásticos. Padrões estabelecidos vão sendo rompidos. É um ganho imenso”, escreve Heloisa Seixas

Por Heloisa Seixas
Atualizado em 23 jul 2020, 20h35 - Publicado em 10 out 2017, 10h10
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  • PRIMEIRO ATO, CENA 1
    Luzes se acendem sobre duas mulheres, na faixa dos 50 anos, sentadas de frente para a plateia. Uma delas (Mulher 1) tem diante de si uma penteadeira com um espelho vazado, só a moldura. A outra (Mulher 2) está diante de uma mesa de trabalho e da tela de um computador, também vazada, só a moldura. Ambas encaram o público do teatro.

    Mulher 1 (observando-se atentamente no espelho, esticando o rosto com as duas mãos e depois dando um suspiro de satisfação) – Botox! É a maior invenção da humanidade. Uma amiga minha, que é toda intelectual e garante que nunca vai fazer plástica, vive dizendo que sou maluca de me espetar com esse troço toda hora. Ela fala que a pele da gente é enrijecida pela presença de uma bactéria – a bactéria do botulismo! Acho que é mentira. Mas às vezes eu sinto um arrepio… Pensar que a ruga desapareceu por causa de uma paralisia facial provocada por envenenamento – é o que a minha amiga diz; ah, isso é horrível… (ajeita-se na cadeira e depois dá de ombros) Mas e daí? (sorriso de esperteza) A gente tem de lutar, não é verdade? Guerra é guerra!

    Mulher 2 – Paz! (sua fala, então, quase atropela o final da fala da Mulher 1) Paz! Eu tenho uma sensação de paz… Quando eu me sento aqui (suspira, sonhadora), tudo se encaixa. Desde que comecei a escrever, é assim que eu me sinto: como se estivesse vivendo uma vida paralela e começando tudo de novo. Aqui, eu posso tudo. E aqui (abre o sorriso) eu não envelheço nunca! (música)

    ***

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    Esse é o início de uma peça de teatro que escrevi, chamada É Proibido Envelhecer. Trata-se do embate entre duas mulheres que são muito amigas, mas que têm visões diferentes sobre o envelhecimento. Uma se dedica dia e noite a lutar contra o próprio corpo; a outra descobriu na escrita uma válvula de escape – uma fórmula, talvez, para não encarar a própria decadência física.

    É Proibido Envelhecer fala da tirania da beleza e da juventude, das pressões sociais imensas que levam muitas pessoas, homens e mulheres, a uma batalha exagerada e inútil para se manter jovens. Uma batalha que acabará sempre perdida. Essa tirania tem imperado no mundo ocidental nos últimos 50 anos, desde que a juventude fez a revolução dos costumes nos anos 1960. Foi uma revolução magnífica, mas cometeu exageros e criou distorções, como quase sempre acontece com as revoluções. O culto demasiado à juventude é uma delas. Durante muitos anos foi assim. Mas o tempo passou e os jovens daquela época – entre os quais me incluo – de repente abriram os olhos e descobriram que eles próprios estão envelhecendo. Por essas e outras razões, o panorama foi mudando. E que bom que o mundo começa a se rebelar contra isso.

    Os conceitos de idade e de velhice, como tantos outros, se tornam elásticos. Padrões estabelecidos sobre o que fazer e como se comportar, dependendo da idade que se tem, vão sendo rompidos. Em um mundo cheio de ameaças aos direitos individuais, isso é um ganho imenso. E, se o movimento ageless prega a desimportância da idade e reconhece beleza também na velhice, ele é mais do que uma nova tendência. É um sopro de liberdade.

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    Heloisa Seixas é escritora de romances e peças. É Proibido Envelhecer foi apresentada em 2014, em leitura dramática no Centro Cultural Midrash, no Rio de Janeiro, com a participação das atrizes Ana Lucia Torre e Clarice Niskier

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