Sabemos que o texto já começa com spoiler, mas como a própria Aninha não teve vergonha de assumir a traição, muito menos de perdoá-la, essa coluna não poderia fazer mistérios. Até porque o cerne da questão não é a traição, mas as escolhas de vida.
Antes de entrar nas reflexões, vamos contextualizar. Maria Ana de Carvalho, 60 anos, é uma cabeleireira bastante conhecida em Salvador. Nascida e criada no Rio Grande do Norte, aos 17 anos ela foi para o Rio de Janeiro com os pais visitar alguns parentes.
Na viagem, decidiu ficar e trabalhar com sua tia, como assistente de cabeleireira. Ali, fez cursos, trabalhou, conquistou sua independência e conheceu um tal de Jerônimo, baiano criado no Rio, vascaíno, portelense, praieiro e que amava um short florido.
Aninha e Jerônimo se casaram e pouco tempo depois foram morar em Salvador porque a empresa na qual o marido trabalhava o transferiu para lá. Ela se apaixona pela cidade, continuou na profissão, fez amigos e clientes fiéis. Ficaram e construíram família. Agora começa o imbróglio.
A primeira filha do casal é Ana Carolina, nascida em meados dos anos 1990, já em Salvador. Perto do parto, Aninha teve um sonho estranho no qual o marido tinha um filho e uma amante. Como sempre foi muito segura e tinha uma relação tranquila, na manhã seguinte, durante o café, contou para ele sobre o que havia sonhado. Jerônimo ficou sem reação. Ê-ê! Aninha estranha o comportamento e acende um alerta amarelo, mas continua a conversa como se nada tivesse acontecido.
Um mês depois, nasce Carol, primogênita da família Carvalho. Tudo muito lindo até que, dois meses após o nascimento da filha, Jerônimo some misteriosamente por um fim de semana inteiro e reaparece no domingo, às 6h da manhã.
Aninha o encontra na garagem de casa. Ele não queria entrar. Ela estranha e vai falar com ele, que confessa de imediato: “Não vim dormir em casa porque estou com uma mulher na rua e tive um filho. Ele nasceu. É um menino”. Neste momento, você pode imaginar gritos, xingamentos, objetos voando, mas não. A conversa foi muito tranquila e aconteceu mais ou menos assim:
Jerônimo: Eu vim te pedir perdão.
Aninha: Você está perdoado.
Jerônimo começa a chorar.
A: Por que você está chorando?
J: Porque você não merecia passar por isso.
A: Não se arrependa de algo que você fez. Você fez consciente.
Relacionamentos são acordos passíveis de quebra de contrato. O que devemos assumir são os nossos erros e tentar aprender com eles
Ainda na conversa, Aninha diz que Jerônimo teria que fazer duas coisas: assumir o filho e decidir com quem queria ficar. E que ele fizesse essa escolha sem peso na consciência porque ela não precisava de um companheiro que estivesse ao seu lado por pena.
Jerônimo escolheu permanecer com Aninha e assim foi até sua morte, em 2017, em decorrência de um problema cardíaco. Os dois ainda tiveram outra filha, a Clara, e viveram uma vida feliz. Além do perdão, Aninha acolheu Alfredo, seu enteado, e o manteve presente em casa, nas festinhas e viagens em família.
Você lendo esse relato pode estar pensando: “Que mulher maluca”. E aí que está a grande beleza desta história. Você não precisa concordar, muito menos fazer o mesmo. A Aninha não perdoou o Jerônimo por dependência, porque não queria ficar solteira ou ser mãe solo. Ela quis perdoar porque conhecia o marido, sabia de suas qualidades (e defeitos) e, talvez, como uma mulher além do seu tempo, sabia, já na década de 1990, que “ninguém é dono de ninguém”.
Relacionamentos são acordos passíveis de quebra de contrato. O que devemos assumir são os nossos erros e tentar aprender com eles. E pelos relatos de toda a família, Jerônimo se mostrou capaz de assumir e aprender com os dele.
Longe da gente ser como os caras que aplaudiram o pedido de desculpas público do Neymar quando traiu sua então companheira, Bruna Biancardi, para depois traí-la de novo. Aqui, os protagonistas são a Aninha e seu perdão. E se tem uma ação madura, ela é a do perdão.
Perdoar não é esquecer. Perdoar não é remoer. Perdoar é perdoar.