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Diário De Uma Quarentener

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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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Carta à Adriel. O menino que ama livros

O Adriel Bispo de Souza tem uma conta no Instagram, em que ele publica resenhas de livros

Por Juliana Borges
29 Maio 2020, 20h13
 (Reprodução | @livrosdodrii/Instagram)
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Hoje, eu peço licença para vocês. Não vou falar sobre mim, sobre meus pensamentos soltos nesse desastre mundial. Hoje, eu quero escrever uma carta de admiração, de apoio, de incentivo, de reconhecimento. Para o Adriel, o menino que ama livros.

Querido, antes do que eu quero dizer a você, eu vou explicar um pouco, para as pessoas que não sabem, o que aconteceu na sua vida nos últimos dias. E eu sinto muito.

Se você está caindo de paraquedas nessa carta, eu explico para você. O Adriel Bispo de Souza tem uma conta no Instagram – já vi que ele está se aperfeiçoando e lançou um canal no YouTube também – em que ele publica resenhas de livros. Na última quarta-feira, 27, o Adriel sofreu um ataque racista em sua página. Eu não vou repostar a agressão, não se trata disso. E a resposta do Adriel mostrou a grandeza que esse menino tem. No dia 28, ele e sua mãe responderam o absurdo que é vivermos em pleno século XXI e ainda vermos ataques como aquele e que Adriel tem orgulho de ser negro. Mas como todo garoto culto e que entende o valor de conhecer a língua, Adriel também deu um conselho ao seu agressor: para que ele aprendesse a escrever melhor. Desde a resposta, o caso viralizou e a rede “bookstagram” se mobilizou. Adriel recebeu apoio de milhares de pessoas, já está com mais de 400 mil seguidores – eu queria dizer que quando eu soube da história, em um grupo de resenhas de livros do Facebook, ontem, o Adriel estava com cerca de 200 mil seguidores. E eu concordo com o agradecimento do Adriel: que bom saber que há pessoas que não se conformaram com o que aconteceu. Tendo feito a contextualização, vamos ao que interessa.

Querido Adriel, essa não é uma carta sobre o ataque racista que você sofreu. Como bem disse a Winnie Bueno, da Winnieteca, sua história não se resume a esse ataque racista. Você é muito mais. Você é uma criança linda e cheia de sonhos e é uma inspiração. Essa é uma carta de reconhecimento e agradecimento. Essa é uma carta de apoio também.

Quando eu entrei em seu perfil, no Instagram, eu me vi em você, com os meus 12 anos. Eu também amava, e amo, livros, leituras e a escrita. E eu sempre gostei de escrever sobre os livros que eu mais gostava. Na minha época de adolescente, não tinha Instagram. Eu não tinha essa ferramenta poderosa para espraiar esse amor. E ver você exercendo esse compartilhar, me encheu de orgulho. A gente que gosta de livros nem sempre é bem compreendido. Temos um mundo íntimo, próprio e a gente se contenta com “um bom lugar pra ler um livro” para poder viajar para terras distantes, planetas em outras galáxias e conhecer tanta gente e culturas direto do nosso confortável universo.

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Logo que te vi, lembrei do conto “Felicidade clandestina”, da Clarice Lispector. Já leu? Ele conta a história de uma garotinha que amava a leitura e desejava intensamente ler o livro de aventuras da Narizinho. Mas não o tinha. Uma outra garotinha da escola tinha “o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. ” Eu não sei você, mas a primeira vez que eu li esse conto, me identifiquei. Meu sonho era viver, morar em uma livraria, tomar café – no meu caso, acho que no seu, talvez seja melhor um chá – e comer bolo de laranja ou de fubá ou de chocolate bem quentinhos. Imagina a alegria! Mas voltando ao conto. Depois de muitas trapaças da garotinha com o pai livreiro, que havia prometido emprestar o livro e enrolava a garotinha leitora com certa crueldade, eis que ao receber aquele livro foi como se o mundo fosse apenas ela e o livro. Não sei se é demais por presumir o quanto você ama livros, Adriel. Mas só de pensar que você resolveu compartilhar esse amor com o mundo em um perfil, para que outros garotos e garotas façam o mesmo, me parece que você carrega esse elemento de amor que o conto de Clarice enuncia.

Depois de passar uma semana bem difícil – e eu meço isso pelo nível de leituras que eu faço e elas estavam bem baixas –, eu queria te agradecer, Adriel, por recarregar minhas esperanças no mundo. As pessoas em nosso país, no geral, leem pouco. Não sei se conhece, mas há uma pesquisa chamada “Retratos da leitura no Brasil”, realizada pelo Instituto Pró-Livro. E ela revelou, em 2019, que o brasileiro lê, em média, 2,43 livros por ano – e, olha, para considerar esse dado, a pesquisa foi ampla sobre como compreender um leitor, bem como nos gêneros abarcados na leitura. Os jovens leem mais. Ufa! Muito incentivados pela escola, é verdade. E essa leitura vai diminuindo na vida adulta. Mas sei que você seguirá sendo um leitor voraz. Ninguém começa a resenhar livros tão jovem e para com isso na próxima quadra. E o melhor, você tem uma preocupação em incentivar e formar outros leitores, algo tão importante, já que a gente acaba sempre focando no mercado editorial e pouco na ampliação das bibliotecas e incentivo para que as comunidades se sintam parte daquele universo, com a formação de mais leitores em nosso país.

A pesquisa mostrava que o maior motivo que as pessoas deram para não ler foi a falta de tempo. Ler é um processo dinâmico, ninguém recebe àquelas informações passivamente. E isso demanda concentração e disponibilidade. E precisamos pensar nisso. Eu tive uma família que me incentivou a ler todo tempo quando percebeu que eu gostava disso. Apesar de ser considerada “meio estranha” por muitas pessoas, minha família sempre defendeu que “era o meu jeito” e que tudo bem. E ao ver sua mãe e sua família te apoiando nisso, senti outro ponto de reconhecimento entre nós.

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Quero te agradecer, Adriel, por ter sido o responsável por fazer minha semana terminar motivada. Que você siga essa pessoa cheia de inspiração para compartilhar com o mundo. Daqui eu só te envio afeto, bons pensamentos e energias. Seu projeto é incentivador e referencial. E seus sonhos… ah, eu nem quero falar sobre os sonhos de uma cabeça leitora! Eles são imensos e ilimitados, sem fronteiras e fantásticos. E nunca os perca de vista.

Um abraço fortemente livresco de sua mais nova admiradora.

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