Imagine que você perdeu um familiar, um amigo, no meio de uma pandemia que tem ceifado milhares de vida pelo globo e em seu país. Você está chorando sua perda, em circunstâncias nas quais não foi permitido que você visse essa pessoa nos seus últimos momentos de vida, na internação, que você se despedisse dessa pessoa. Uma situação em que você não pode velar o corpo, um importante rito de passagem e despedida para a gente conseguir dar conta do luto. E imagine que você está meio sem entender isso tudo, sem entender como chegamos até aqui imersa em tanta dor. Exerça a empatia de tentar imaginar esse momento. E imagine que, enquanto você tenta encontrar respostas diante do caos, dor e luto, você escute da figura central do seu país um áspero “e daí? ”. Como assim “e daí?”.
E daí se sua mãe morreu? E daí que seu pai morreu? E daí que sua avó ou avô morreram? E daí que seu companheiro ou companheira de vida morreram? E daí? E daí?
Essa pergunta fica martelando na minha cabeça desde ontem. Tanto que parece formar um poema concreto na minha cabeça, quase um monumento dadaísta em minha mente. E daí?
Essa expressão carrega, em uma de suas acepções, um grande desdém, uma imensa desimportância. E daí?
Nosso país passou a China em número de mortos pela covid-19. E daí?
Há pessoas morrendo em casa, porque esperam demais o avanço dos sintomas e seus familiares ficam horas com o corpo em casa, à espera do serviço funerário, que está sobrecarregado. E daí?
Centenas de profissionais de saúde estão infectados, o que sobrecarrega seus colegas, em uma luta tremenda para o exercício de seus trabalhos. E daí?
O número de pessoas mortas pela covid-19 já passou o número de pessoas mortas por homicídios e doenças cardíacas no período. E daí?
Há inúmeros estudos apontando que pessoas, principalmente entre 30 e 40 anos, estão morrendo de AVCs brutais e, depois, são diagnosticadas com covid-19. E daí? Como salvar a economia se toda a força de trabalho morrer? E daí?
Como que a resposta só pode ser o esforço cívico de ficar em casa, uma ação que ainda na dimensão individual das pessoas? Nós temos Estado para quê? Nós pagamos impostos para quê? Para se fazer presente quando precisamos ou para garantir recursos para bancos que lucram bilhões todos os anos, pela especulação em cima DO NOSSO dinheiro?
E daí?
O que você vai fazer com esse desdém? E daí?
Luto é substantivo masculino, que denota tristeza. E também grande mágoa. E daí?
Mas luto também pode ser verbo… primeira pessoa do presente do indicativo. E daí? O que você vai fazer com esse verbo? O que você vai fazer com essa mágoa? E daí?
E daí se a gente se indignar? E daí se a gente dizer que chega? E daí se a gente exercer empatia? E daí se a gente deixar de observar e achar que é assim mesmo? E daí se a gente não se acomodar e não se acovardar? E daí se a gente fazer das lives muito grito? E daí se a gente não permitir que nosso luto seja silenciado? E daí se a gente fizer do luto uma luta? E daí? E daí?
Acompanhe o “Diário De Uma Quarentener”:
01/04 – A rotina do isolamento de Juliana Borges no “Diário De Uma Quarentener”
02/04 – O manual de sobrevivência de uma quarentener
03/04 – Permita-se viver “o nada” na quarentena sem culpa
06/04 – O que a gente come tem algo a ver com as pandemias?
07/04 – As periferias e as mobilizações na pandemia
08/04 – Um exemplo de despreparo em uma pandemia
09/04 – Como perder a noção do tempo sem esquecer a gravidade dos tempos
10/04 – Não é hora de afrouxarmos o distanciamento. Se você pode, fique em casa!
11/04 – 3 filmes para refletir sobre a pandemia da Covid-19
12/04 – Nesta Páscoa, carrego muitas saudades. Hoje, minha mãe completaria 54 anos
13/04 – Obrigada, Moraes Moreira!
14/04- E aí, quais são as lives da semana?
15/04 – Como praticar autocuidado radical?
16/04 – #TBT da saudade do mar
17/04 – Precisamos falar sobre a pandemia e violência contra as mulheres
18/04 – Mulheres na política fazem a diferença também no combate à pandemia
19/04 – Quem cuida de quem cuida?
22/04 – Dia da Terra e o futuro da humanidade
23/04 – Dia do Livro e a menina que amava livros
24/04 – O País está de ponta-cabeça
27/04 – Diário de uma “Cristinder”
28/04 – A saudade que o BBB vai deixar