Nos últimos dias, acompanhamos o caso da jovem de 18 anos que teve o rosto tatuado pelo ex-namorado. Apesar de lidarmos com casos de violência doméstica e sexual diariamente, que vitimam mulheres ao redor do Brasil e do mundo, este, particularmente, despertou uma especial atenção – não à toa.
Esse caso, além de envolver violência física e psicológica, nos evidencia a violência simbólica que irradia das relações desiguais de poder inerentes à uma sociedade patriarcal, na qual a dominação masculina ainda é tão latente.
Desde a instauração do patriarcado, a mulher passou a ser vista como um ser inferior, ficando incluída dentre as propriedades do homem. Assim, durante séculos, as mulheres – já entendidas como objetos – pertenceram aos homens: ao pai, ao irmão, ao marido.
Na condição de “donos”, estes homens podiam dispor daqueles corpos que, desumanizados, eram nada mais que propriedade. O casamento, então, servia apenas como um instrumento de transferência dessa propriedade, do pai ao marido.
A lógica se estabeleceu: os homens, proprietários, “utilizariam” aquele objeto como bem entendessem e o “inutilizariam” da mesma forma. Explorar, punir e até matar eram condutas consideradas legítimas. Vejam a obviedade da objetificação. Caso estivesse insatisfeito, o homem poderia, inclusive, devolver o objeto/mulher ao seu pai – o que acontecia, por exemplo, caso descobrisse que não se tratava de uma mulher “virgem”.
O corpo da mulher também era passível de ser violado sexualmente. Preocupavam-se, à época, apenas com os impactos que esta violação acarretaria no que diz respeito a impedir que esta mulher se casasse posteriormente.
Preocupavam-se, assim, com a perda de valor do objeto. A desumanização e objetificação da mulher era algo gritante e, ao mesmo tempo, perfeitamente legitimada. Até o século XX, a emancipação feminina era algo distante.
Hoje, costumamos pensar na objetificação da mulher quando abordamos temas como a violência sexual e a cultura do estupro, contextos nos quais a sexualização dos corpos femininos e a sua percepção não como um indivíduo, mas como um objeto, fica mais evidente.
Objetificar é entender o outro dentro de um contexto de passividade. É reduzir a sua existência à satisfação do dominador. É, como no caso da menina que teve o seu rosto tatuado com o nome do ex-namorado, acreditar que seres humanos são coisas e, como tais, são apropriáveis.
Gabriel, aquele que estampou o seu nome definitivamente no rosto de uma jovem de 18 anos, estava decidido a mostrar para o mundo que esta mulher, na sua concepção, tem um “dono”. Estava disposto a etiquetar o que para ele é etiquetável.
Até quando os corpos femininos permanecerão à mercê daqueles que deles queiram dispor livremente? Até quando as mulheres serão vistas como objetos apropriáveis? Esta relação de dominação masculina não passa de uma construção social naturalizada. Como tal, pode e deve ser desconstruída.
Temos pressa. Não há mais espaço e tampouco tolerância para a dominação masculina.