É permitido sentir alegria num mundo horrível?, pergunta a publicitária Luiza Voll em seu perfil no Instagram. Talvez essa questão assombre boa parte de nós, parte que é afetada todos os dias por notícias terríveis que circulam na televisão, nos jornais e nas redes sociais.
Nós que nos indignamos e nos entristecemos, mas que de certa forma continuamos as nossas vidas, continuamos permeáveis à beleza das pequenas coisas que persistem entre os escombros. Comemos chocolate, ouvimos música, observamos os gatos se esticarem, testemunhamos as plantas florescerem e secarem.
E, diante das notícias de um mundo que padece, mais perto ou mais longe de nós, também sentimos compaixão, tristeza, raiva. Quando sentimos alegria por qualquer coisa alheia à destruição, com ela vem também a culpa. Como se a alegria negasse a dor, como se fosse um ultraje que apenas atestaria a insensibilidade de quem a experimenta.
Outro dia, vi uma tirinha em que uma pessoa se informava sobre o absurdo da guerra e não sabia lidar com a realidade de que a vida seguia em meio ao absurdo. As pessoas continuavam passeando com seus cachorros, ela dizia, com dificuldade de compreender como não paramos tudo para nos ocupar do sofrimento do mundo.
Pensei, ao ler, que os cachorros merecem continuar a passear. Que quando desistirmos de cuidar de nossos cachorros, de nossas relações de vizinhança, de amizade, de afeto, então ficaria ainda mais fácil ceder a uma descrença que nos imobilze, já que não nos restaria nada com que nos importar. Mas como é desafiador sustentar a complexidade de uma existência carregada de ambivalências, que não segue nenhuma cartilha. Eu diria que é tão difícil quanto necessário sentir alegria num mundo horrível.
De outro lado, seria permitido sentir medo, se a pessoa não estiver sendo fisicamente esmagada pelo horror? Recentemente, a psiquiatra e escritora Natalia Timerman escreveu um texto dizendo que, para criticar os ataques cruéis de Israel a Palestina, algumas pessoas estão, por sua vez, atacando o povo judeu, numa triste escalada de antissemitismo diante da qual ela confessa sentir medo, pela primeira vez na vida, como judia.
Natalia publicou há poucos meses um romance de inspiração autobiográfica, As Pequenas Chances, no qual o judaísmo e a sua busca pela história familiar judaica são grandes pilares, como têm sido tema de muitas de suas entrevistas e participações em debates públicos.
Embora tenha se posicionado com convicção a favor do cessar-fogo e tenha se solidarizado com o sofrimento do povo palestino, seu texto foi interpretado por algumas pessoas como uma defesa infeliz não apenas do respeito ao povo judeu, mas, por extensão, ao estado de Israel — salto que só pode ser compreendido num mundo tão apressado em vigiar, julgar e punir.
Não raro, e infelizmente, vemos acontecer tentativas de desqualificar ideias e opiniões porque não gostamos delas. Porque elas nos desagradam. Criticamos as guerras, mas agimos de modo semelhante, em menor grau, ao sermos tão intransigentes com as diferenças.
Se pudéssemos fazer um exercício radical de alteridade, talvez não estaríamos testemunhando, em menor e em maior escala, a tentativa de destruição do outro. Nós também somos o outro de alguém. Ou, como resumiu perfeitamente a escritora Toni Morrinson, em A Origem dos Outros, o “risco de sentir empatia pelo estrangeiro é a possibilidade de se tornar estrangeiro”.
.