Desde 2002, acontece o tão aguardado desfile de Métiers d’Art da Chanel. Se no passado, Karl Lagerfeld era responsável por realizar espetáculos pomposos, Virginie Viard, atual diretora criativa da maison, mantém sua coerência no atual, jovem e fresco, com forte valorização cultural – incluindo nos seus destinos escolhidos para a apresentação das suas coleções. Neste caso, Viard escolheu Dakar para sediar o Pre-Fall 2023. A grife foi a primeira marca de luxo europeia a desfilar sua coleção na África Subsaariana. Ao longo dos últimos três anos, ela desenvolveu colaborações com músicos, artistas, dançarinos e artesãos senegaleses para o desfile. “Além do desfile, é o evento como um todo que levei em consideração. Eu queria que acontecesse com delicadeza, ao longo de vários dias de diálogo profundo e respeitoso”, conta ela no release oficial da marca sobre essa conexão criada de forma genuína entre os pilares da grife e a cultura local.
Antes de chegar na roupa em si, vale um destaque para o local do desfile. O antigo Palais de Justice, sede da sua Bienal de Arte, fez parte também do programa artístico que envolveu os convidados durante os dias na cidade e, segundo Viard, como forma de homenagem a este reduto artístico, a Chanel decidiu contribuir para a reforma do antigo imóvel. Além disso, em janeiro de 2023, o hub da grife para seus ateliês de Métiers d’Art, o 19M, irá à capital senegalesa para lançar intercâmbios, como forma de celebração à riqueza e a diversidade do bordado e da tecelagem em um programa gratuito e aberto a todos (dos amantes do artesanato a estudantes). O objetivo dessa troca é promover a transmissão de saberes, algo pelo que a Chanel é conhecida por apoiar há longa data. A tradição do trabalho manual, que reúne desde o bordado à construção das flores, passando pelo desenvolvimento do tweed, é um dos grandes méritos conquistados pela maison – e o mais especial é que não garante exclusividade para a marca. É provável que você encontre fichas técnicas de outras grifes espalhadas pelas salas dos ateliês. A intenção é manter tais técnicas vivas. E a Chanel pensa em como conectar Paris e Dakar de alguma forma.
Já na coleção, podemos ver diversas versões inéditas de tweeds multicoloridos e bordados de pérolas entrelaçadas, ambos desenvolvidos pelo ateliê Lesage. Assim como as flores, principalmente camélias, construídas, pétala a pétala, nas máquinas manuais de Lemairé, que também é especializada em plumas. O que difere essa coleção das anteriores é a inspiração local de Virginie, que optou por uma cartela com forte presença de cores terrosas, esverdeadas, rosadas, neutras (claro!) e contrastes entre pink e tons alaranjados. Uma conexão que evocou os anos 1970 de um jeito moderno –pense em uma mistura ousada de pop-soul-funk-disco-punk. Há lantejoulas, pingentes brilhantes e rendas delicadas. O jeans também apareceu com força mais para o final do desfile, com a ideia do urbano sempre à frente do que Viard propõe. “Diálogos reais, alimentados a longo prazo, é esta dimensão humana e calorosa que motiva o meu trabalho e que procuro retranscrever. Eu coloquei toda a minha alma nisso. Esses encontros maravilhosos dos quais nascem aventuras artísticas como esta, é isso que me move”, diz ela que, diferente das criações do kaiser, tem uma visão objetiva e focada em levar suas roupas, sapatos e minaudière para as ruas, para uma mulher real, assim como Gabrielle Chanel foi. A única diferença é que, desta vez, ela vem com plataforma.