Ainda sob impacto do desfile de Giorgio Armani no último dia da temporada de moda italiana, me despedi da cidade milanesa com uma sensação particular. Nove dias mais tarde, no encerramento do calendário francês, com a apresentação que marca uma década de Nicolas Ghesquière na Louis Vuitton, a minha impressão sobre o recado da estação se confirmou: olhar para o passado é um caminho sem volta — e o grande pulo do gato das grifes. Quem tem história precisa contá-las. Quem tem valores quer celebrá-los.
Venho falando com frequência sobre esse movimento, que já é forte nas coleções masculinas e alcançou a categoria máxima da excelência da moda, a Alta-Costura. Valorizar as raízes é essencial.
A ala feminina vem se adaptando ao ritmo, deixando de lado tendências efêmeras que fizeram o mercado fervilhar nos anos 2000, e vem expressando o seu melhor — da matéria-prima à construção da peça —com muita fidelidade aos seus valores.
Especialmente em Milão, percebi que as grifes estão sintonizadas e exaltando suas tradições — não só as particulares, mas também as que a Itália é conhecida por fazer desde o início do século passado.
Enquanto a capital francesa era reconhecida por ser o centro da couture, com seus nomes valiosíssimos no seleto grupo (entre eles, Christian Dior, Pierre Balmain e Cristóbal Balenciaga), os italianos ficaram com a fama de excelência em artigos em couro, como sapatos e bolsas.
O que a moda não esperava é que, ao longo da década de 1970, com o declínio das casas de Alta-Costura, a Itália acabasse ocupando esse espaço. No prêt-à-porter local, nomes como Giorgio Armani, Gianni Versace e Valentino Garavani ganharam força. De fato, esses são os estilistas que recentemente tiveram uma grande projeção internacional (e mostraram aos franceses que, além do queijo e do vinho, a roupa também entrava na disputa de “quem faz melhor”).
Retornando ao que me impressionou, as passarelas de Inverno 2024 mostraram aquilo que chamamos de “suco de raízes”. Giorgio Armani, que é responsável por apresentar duas etiquetas ao longo do calendário milanês, manteve sua atemporalidade e o olhar atento aos detalhes da construção das peças — apesar de direcioná-las para diferentes perfis.
Resistente a qualquer movimento de tendências, e seguindo sua filosofia de elegância para uma mulher urbana, ele deu à garota da Emporio Armani itens de alfaiataria essenciais, propondo combinações ousadas, com transparências e brilhos, passando por mistura de texturas e sobreposições.
Já na sua grife homônima, as flores de inverno serviram de inspiração para um guarda-roupa sublime, com direito aos clássicos do Sr. Armani. Veludos, silhuetas delicadas com perfume oriental e visuais para festas, dignos de red carpet, estavam lá. Uma reunião de ícones nos quais ele acredita há décadas — e a mulher Armani também.
Quem também abriu seus arquivos, mais precisamente desde 1988, foi Miuccia Prada. Ainda que tenha ao seu lado Raf Simons na co-criação das coleções, desta vez o olhar da italiana foi para toda a construção do prêt-à -porter da grife (que ela mesma criou para a empresa fundada pelo avô e pelo tio-avô).
Cada visual foi pensado para mostrar quem é a mulher Prada — e como essa conexão com o passado a leva para o futuro. Das silhuetas aos materiais, ali tudo remete ao imaginário de quem pensa na marca.
A brincadeira de diferentes tecidos na frente e nas costas; os comprimentos das saias; as aplicações de pelo; as sobre – posições, além do econyl (também conhecido como o nylon reciclado) estavam lá. O mesmo vale para as bolsas emblemáticas da label, como a Galleria e a Cleo, acompanhadas da novata Buckle, que são itens pensados para atravessar gerações.
O sentido de herança e essencialismo, que no passado era comum, se conecta à não-descartabilidade e à valorização de um item feito para durar — independentemente de modismos.
Por último, e não menos importante, Kim Jones soube levar os detalhes da Selleria, trabalho manual exclusivo da Fendi, para a sua coleção. No ano da véspera do centenário da casa romana, ele brincou com os pespontos (técnica de costura em que a linha fica aparente) no vestuário, rico em composições de alfaiataria e tricô, mas não só.
Em uma parceria muito bem-sucedida com Silvia Venturini Fendi, responsável pelas bolsas e acessórios da marca, a Peekaboo ganhou uma alça principal um pouco mais longa para ser carregada no ombro, a Baguette permanece sendo reinventada e, após um hiato de temporadas, a By the Way retorna à passarela.
Em comum? Todas elas são construídas com a identidade que tornou a grife um status de luxo e tradição. A diferença? É que em 1925, uma bolsa da Fendi não recebia um penduricalho de porta-pirulitos na técnica Selleria. Menos ainda, um Chupa Chups com double F na embalagem.