Ainda carrego comigo a casa que nunca tive. Tentei forjá-la, a partir, exclusivamente, de mim. Até que compreendi que casa não se faz sozinha. Tem muita areia, cimento e tijolo pra assentar, que pessoa nenhuma dá conta. Por vezes nem duas, nem uma vila inteira.
A minha casa inexistente, como antítese de teto ou lar ou mesmo barracão, existe somente como falta, e com o vazio que ela ocupa preencho meus nadas. Símbolos das ausências mais presentes, dos ditos não-ditos, do abandono, do vácuo.
A casa que carrego comigo já foi pesada demais, feito nuvem carregada de um temporal impedido. Ora relampeia e, sob a luz fugidia, vê-se que não há. Ora troveja e grita a mudez do que é silêncio.
Sobrevoar o Monte Roraima presa a balões coloridos não posso. Sei que o chamado dos povos vem da terra – casa de todos e hoje de ninguém. Relegada e depredada, em situação de abandono e guerra, pede socorro no fio da voz. Sussurro de dor, agonia, sem esperança, à míngua. Em estado de véspera, resiste o povo da floresta – riqueza encarnada que pisa e dança e luta sobre o chão da ganância. Ofertam o corpo como abrigo do espírito não fragmentado da existência pelo profundo saber.
Comigo levo a casa das minhas ilusões e dou festas na sala, convido os sonhos pra dançar, deixo que o medo tome conta da segurança e a arte faça a discotecagem. Deixo-me embriagar e me entrego ao ritmo das luzes estroboscópicas e dos corpos. Quando amanhece, os vestígios contam da alegria e da desilusão. O que foi vira memória, e a casa é presença e agora.
Meu corpo-casa, hoje vazio, sangra onde já foi ninho, e teima em gestar. Preparar por dentro uma luz que aquece. Uma fogueirinha que parece que vai apagar, mas insiste e persiste. Abro a porta e do eco surge o vento. Ele carrega oxigênio, expande os pulmões, circula pelas veias, comove e canta: confia! Confia que a casa é abrigo sem dor, e na verdadeira morada, a alma não tem teto nem o balão existe.