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Dani Moraes

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Dani Moraes é escritora, jornalista e especialista em escrita terapêutica
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Quando eu morrer, não me perguntem nada

Que importância teriam ao morto os desígnios de sua memória?

Por Dani Moraes
14 jul 2023, 12h35
Comercial com Maria Rita e Elis Regina
Comercial com Maria Rita e Elis Regina recriada por deep fake.  (Reprodução/Reprodução)
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Detesto spoiler. Gosto de ter contato com as experiências sem referências prévias. Deve ser uma estratégia de autoproteção disparada pela minha mente ansiosa que, para não criar expectativas, prefere desconhecer. Exceção feita apenas aos filmes baseados em livros — que invariavelmente gosto de ler primeiro. E faz sentido, pois ao ler garanto a liberdade de imaginar e sentir o ineditismo das cenas e das emoções. 

Foi inevitável, no entanto, escapar dos comentários e da polêmica envolvendo a campanha publicitária da Volkswagen com imagens produzidas por Inteligência Artificial com a cantora Elis Regina (falecida em 1982) e a filha Maria Rita. Na propaganda, elas cantam a canção “Como Nossos Pais” — clássico composto por Belchior. 

Antes que fosse possível ser atravessada por qualquer emoção genuína, já havia chegado aos meus ouvidos a informação de que haviam utilizado o recurso conhecido como deepfake para simular Elis cantando e dirigindo uma Kombi. 

Prevenida (ou contaminada), confesso que a campanha não chegou a me comover, ao contrário do que aconteceu com muita gente. E olha que essa música é uma das minhas favoritas e dá nome ao lindo filme, dirigido por Laís Bodanzky e protagonizado por outra Maria, a Ribeiro, do qual tenho um pôster que decora a minha sala.

Feito para emocionar, o comercial gerou polêmica. De saída, senti um estranhamento com as imagens robotizadas e artificiais. Fake demais pro meu gosto. Mas a polêmica passou longe dos aspectos de qualidade técnica. Entre os questionamentos que esquentaram a discussão: o direito à “recriação” da imagem de uma pessoa falecida; o uso e a comercialização destas imagens; e a dúvida sobre se um possível alinhamento político-ideológico poderia impactar a biografia de pessoas que já morreram. O que nos apresenta um novo paradigma: existiria uma espécie de “biografia póstuma”? Ou será que deveríamos considerar dramaturgia, experiência lúdica, fantasia, ilusão? 

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Dos pesquisadores aos fãs, políticos, artistas, médicos, psicólogos e advogados, é possível encontrar todo tipo de opinião a respeito do assunto. Em meio a todos os vieses apresentados, o que mais me tocou foi o questionamento sobre a vinculação da imagem da cantora à uma montadora que apoiou publicamente a Ditadura Militar brasileira, regime que Elis combatia com a sua voz. Ao capitalismo não escapam sequer os mortos?! 

O tema também despertou em mim um dilema sobre a necessidade de “controlar” o que nos acontece e, no caso, a tentativa ou os instrumentos de controle sobre o que poderia nos acontecer após a morte. Fico intrigada. Que importância teriam ao morto os desígnios de sua memória? E, de maneira muito pragmática, que poder temos realmente sobre o que será feito de nós por quem a nós sobreviver? 

Essa é uma dúvida que muita gente que escreve diários tem. Tamanha, que chega a impedir ou bloquear o processo de escrita. Há quem crie códigos. Compreendo. Nem depois de mortos queremos magoar a quem amamos ou revelar subjetividades que talvez não fossem bem recebidas ou compreendidas. Clarice Lispector, na crônica “Se eu fosse eu”, diz: “metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho, por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia”. O que em alguma medida revela nossa hiper estimulada capacidade de adequação, proporcional à imensa força social que nos tolhe a autenticidade. 

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Era um costume meu brincar com a ideia de que na vida não era necessário ser honesto, apenas educado. Com o tempo, descasquei melhor essa cebola e entendi que nem para isso é preciso mentir. Basta buscar algum equilíbrio entre a sinceridade e a gentileza. E já tem um tempo que decidi ser fiel aos meus sentimentos, ainda que não correspondam às minhas próprias expectativas de agradar e ser amada. Sou adepta contumaz da prática de sempre dizer a verdade, ousando, quem sabe, ser amada sem disfarces!

Assim, “quando eu não puder pisar mais na avenida” e minhas íntimas insanidades estiverem nas mãos de quem vivo for, que queimem ou leiam, publiquem ou esqueçam, rasguem, recriem, façam fama ou difamação. Minha alma não dará satisfações. Ainda que eu deseje controlar a narrativa sobre a minha história, e isso me provoque alguma angústia, ela só me pertence de fato HOJE. É no momento presente, em que posso alinhar desejos, pensamentos, atitudes e escolhas, que devo me concentrar. Depois? Depois, fica o spoiler: não estarei aqui para contar…

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