Sal, sol e mar: nesta embarcação-coluna ancoro minha crônica contemporânea
A vida não é tão fácil tal qual a marolinha no litoral, nem tão confusa quanto a tempestade. O que vale é o registro
A vida é mar aberto. Uma travessia que não nos dá muita oportunidade de parar. Ainda que o próprio mar, por vezes, convide para um tempo boiando, atravessar é preciso. Entre o instante de contemplação das nuvens e a próxima braçada, empenhamos sonhos e intenções. Refeitas ou não, voltamos a nadar.
Quantos portos, quantos mares, quantas companheiras de sal encontramos em nossas jornadas? Quantos caldos, quantas tempestades, quantos barcos de resgate? A aventura que chamamos de vida é instável e espiralar. E, por isso, dinâmica e profunda. A nado, remo, veleiro ou navio, a viagem segue sem carta náutica nem rota conhecida.
Não há certezas, apenas o pulso desbravador do coração. Para seguir, é necessário escrever diários de bordo, palavras borradas, garranchos e devaneios na maresia. Além de cadernos e vontades, devemos carregar conosco a lembrança e o silêncio manso das águas doces, a forjar calmaria nas tormentas.
Cá me apresento embarcada a partir de agora a compartilhar as remadas da minha escrita – entrelinhas à vela e contos de atravessamento. Virei, a cada semana, contar das histórias vividas, das desistências e dos ancoramentos da mulher que aprendo ser.
Virei contar de mim, porque sinto que, ao dizer de mim, digo de nós. Não porque sejamos iguais, mas, sim, semelhantes. No jeito de sentir dor e amor, na vontade de acertar e no medo paralisante de ser menos do que podemos.
Virei contar do meu reencontro com a escrita depois de tempos distantes do potente diálogo interior que ela generosamente oferece. De fato, estive ausente. E venho agora dizer das transformações enfrentadas na jornada oceânica rumo à presença.
“A aventura que chamamos de vida é instável e espiralar. Por isso, dinâmica. É necessário escrever diários de bordo e devaneios”
Sinto que mais do que reflexos ou espelhos é possível que enfrentemos os mesmos desafios de viver a mulheridade dos anos 20, dos dois mil e vinte. Com anseios de pertencimento e de libertação de papéis sociais pré-determinados, seguimos até onde quisermos, ainda que seja preciso descobrir que lugar é esse durante a jornada.
Nesta embarcação-coluna, batizada de Travessia, ancoro minha crônica contemporânea como mulher escritora de si, que narra a própria história sob a diretriz das estrelas e convida outras mulheres a mergulharem nas profundezas da palavra. Virei também contar de rotas e planos futuros, partilhar sobre treinos rotineiros e promessas de manutenção da capacidade cardiorrespiratória de enfrentar o desconhecido nosso de cada dia.
Eu te ajudo a levantar e trocar de roupa, você me incentiva a dar o primeiro passo. Sentiremos o suor e a satisfação da endorfina, e celebraremos mais uma légua em movimento. Não prometo só conforto. Aviso: vai balançar. Haverá perrengues, sede, cansaço, algum perigo também a justificar o que a vida pede de nós – e já alertou Guimarães Rosa –, coragem.
Por isso, vou cortar o cabelo antes da partida. Quem sabe a tesoura do desejo repique as franjas do medo e da complexidade de existir enquanto mulher no mundo, no espelho, nas relações. Farei deste porto o ponto de partida para atravessarmos juntas marés de mudanças – única constante da vida. Nosso destino, já sei. Será a própria travessia. Bem-vinda a bordo!
*Dani Moraes: Escritora, jornalista e especialista em escrita terapêutica.Em CLAUDIA, assina agora a coluna semanal Travessia.