Além de servir como entretenimento, novela tem uma responsabilidade muito grande no país. Não que isso seja obrigação das emissoras, mas o brasileiro há décadas se acostumou a novelas que sirvam não só como diversão, mas que tragam uma dose pequena de merchandising social para trazer debate para a população. Temas como abandono de crianças, doenças ou racismo ganharam foco em várias produções feitas pela Globo e outras emissoras, e com ‘Segundo Sol‘ não seria diferente. Porém, o autor João Emanuel Carneiro tem agido com muita irresponsabilidade ao mostrar o caso de amor entre Maura (Nanda Costa) e Ionan (Armando Babaioff).
A policial Maura foi apresentada como homossexual desde o começo da novela. Fãs assíduos da trama até alegam uma bissexualidade da personagem para “amenizar” o desserviço de ‘Segundo Sol’, mas a verdade é que Maura nunca teve relações com homem e, de acordo com os diálogos da própria novela, nunca se interessou também.
A policial começou a se relacionar com Selma (Carol Fazu), essa sim teoricamente bissexual, e a história de amor seguiu um rumo normal de novela: descoberta do amor, conflitos dramáticos e um pai homofóbico que rejeita a própria filha por ser lésbica (afinal, segundo ele, Maura “não conheceu o homem certo, um atraso de pensamento sem limite). Mas é aí que Ionan entra na equação.
O personagem sempre foi o grande amigo e parceiro de Maura, numa relação de cumplicidade e companheirismo… mas aí o autor da novela pensou “nossa, e se a gente transformar esses dois em um casal?”. Desde então, Maura tem tido um caso com Ionan e o público de casa tem adorado o surgimento de um casal mais… “tradicional”.
Não digo que isso é algo impossível de acontecer na vida real, mas na novela tudo foi surgindo de forma irresponsável. Criar uma “cura gay” para uma personagem lésbica (uma maneira simplificada de tentar explicar por que uma homossexual passou a se relacionar com pessoas de outra orientação) só ajuda a bagunçar a cabeça do público e perpetuar preconceitos enraizados. Lésbicas constantemente são confrontadas com a ideia de que “gostam de mulheres por não terem conhecido o homem especial”, isso sem contar os bissexuais que costumam ser taxados como promíscuos e infiéis. O que a novela ajuda sobre isso? Absolutamente nada.
Seria apenas um caso isolado se João Emanuel Carneiro não tivesse um histórico amplo de personagens homossexuais “convertidos” em outras novelas. Para falar bem a real, em TODAS as tramas do autor pelo meno um personagem passa por isso. Desde Abelardo Sardinha (Caio Blat) em ‘Da Cor do Pecado‘, passando por Orlandinho (Iran Malfitano) em ‘A Favorita‘ até chegar no Roni (Daniel Rocha) de ‘Avenida Brasil‘, a lista de personagens homossexuais que terminaram uma novela se relacionando com heterossexuais é grande.
Se ele queria ter feito um triângulo amoroso bissexual, que deixasse claro isso desde o começo para o público, e não que criasse uma história que dá razão aos preconceitos de Seu Agenor (Roberto Bonfim), o pai da personagem. É até triste ver como novelas como a das seis e das sete conseguem abordar LGBTs com mais respeito que a novela das nove.
João Emanuel Carneiro ainda tem tempo de arrumar a abordagem em ‘Segundo Sol’, resta ver se ele vai se dispor a fazer isso enquanto está mais ocupado tentando lidar com a audiência não-tão-alta da trama.