Mulheres são ensinadas que beleza é um objetivo. O que antes era um dom divino, hoje é algo que pode ser adquirido. E eu não acredito que exista um só jeito de ser mulher (aliás, alerta de spoiler: escreverei nesta coluna sobre a beleza da diferença). Contudo, enquanto tentamos nos expressar como quisermos, o “seja você mesma” só vai nos levar a algum lugar caso todos os checks esperados de uma mulher estejam dados.
Seja você mesma, mas não de esmalte descascado. Seja você mesma, mas vai assim com esse cabelo? Seja você mesma, mas se quiser ser reconhecida no trabalho, vai precisar melhorar o guarda-roupa. Seja você mesma, mas sem sair antes para buscar o filho na escola. Os exemplos do “seja você mesma, só que não” são intermináveis — vou poupá-las dessa parte.
O que eu quero enfatizar é o quanto essa frase de impacto só vale para uma parcela pequena de pessoas que comandam e autorizam quem você pode ser. Antes, era papel das revistas prescrever como a gente tinha que ser naquela temporada, hoje, isso pode vir do guru, do coach, do influenciador. O “seja você mesma” já foi ser andrógena, ter a barriga chapada, ter o cabelo da Gisele, usar o batom da atriz da novela. Percebe que essa frase nunca está sozinha? Ela vem acompanhada de um conjunto de imagens que te aponta para um ideal de “si mesma”. E sempre falta algo.
Daí é claro que dá uma confusão na gente, né? Essa desordem de mensagens abre aquela fenda para as vozes da nossa cabeça apontarem o que estamos “errando”. A famosa síndrome da impostora. Inclusive, já que estamos aqui, indico assistir à série Physical, da Apple TV+ — ali está bem desenhado esse processo de rachadura. E é desse lugar de dúvida que eu quero falar, não como uma autoridade de beleza (as vozes da minha cabeça nem me permitiriam a autodenominação), mas porque não vou te dar autorização para nada. Também não vou dizer que podemos fazer o que bem entendermos, por saber que essa fórmula mágica não existe quando se é mulher.
Quero que este espaço seja um lugar para jogar luz entre o se doar para o padrão de beleza ou riscar uma linha no chão e desenhar o seu espaço fora dele, lidando com a margem. E por margem entende-se qualquer lugar fora do corpo magro e jovem. Algumas mulheres já nasceram nela, pela cor da pele, pelo corpo. Como, atualmente, a beleza é de sua responsabilidade, em tese, só fica à margem quem quer. Ou melhor, quem não pode pagar. Ou melhor ainda, quem não está se esforçando.
Ironia presente, agora vamos voltar ao assunto sério. Basta um olhar mais desconfiado para sacar que essa mudança só trouxe mais pressão para o nosso lado. Não há relaxamento, mesmo para aquela moça todinha dentro do padrão. Quantos casos de influenciadoras que vivem da sua imagem padrão foram notícia porque tiveram complicações em cirurgias estéticas. A gente olha e pensa, “ah, não tinha que fazer isso, que bobagem, a moça era linda já!”. Só que as vozes da cabeça dela junto com o “seja você mesma, só que não” estavam ali, agindo sob a pressão de um padrão que nem nascendo dentro de um, você vai ter sem esforço. É daqui que vamos partir. Um pouco de terapia e um pouco de skincare. Força!