Eu tenho TPM. Na época em que apresentava o Bem Estar, na TV Globo, ouvi diversas vezes, de médicos diferentes, que existem mais de 150 sintomas relacionados à tensão pré-menstrual. Nenhum deles já tinha ouvido falar de um sintoma que eu tenho desde a adolescência: minha garganta arranha.
Aliás, minha garganta já me deu muito trabalho: perdi a voz diversas vezes ao longo da minha carreira de jornalista e hoje entendo que isso, muitas vezes, esteve relacionado aos “sapos que engoli”, às notícias que tive que dar e que nem eu gostaria de ouvir e também a algumas outras “cositas” que fui obrigada a dizer sem concordar.
Talvez valha dizer também que quando eu era criança fui chamada várias vezes de desafinada. Meus pais incentivavam meu irmão a cantar, mas quando nos deparávamos com um karaokê num hotel, por exemplo, tentavam me confortar dizendo que eu era boa em outras atividades.
Na época em que comecei a namorar, tive alguns parceiros que mudavam a estação do rádio quando eu começava a cantar. E pior: alguns diziam que era melhor não ouvir a música do que me ouvir tentando cantá-la.
Aos poucos, fui me silenciando. E por muito tempo não tive coragem de cantar.
Depois de pedir demissão, comecei a falar mais aquilo que penso e, especialmente, o que sinto. Passei também a me ouvir mais e a enxergar inclusive as feridas provocadas por estes tempos de “silêncio forçado”.
Em 2020, decidi fazer aula de canto. Outro dia, minha professora, Nicole Salmi, me contou que na faculdade tinha uma amiga que era atriz e que certa vez lhe disse: “Eu prefiro subir ao palco nua do que ter que cantar para o público.”
Nicole me explicou: “A voz revela tudo! Não dá para esconder o nervosismo, a ansiedade e o medo. O canto é o verdadeiro desnudar-se”.
Fiquei pensando sobre esta frase e me lembrando de quantas vezes minha voz ficou mais aguda quando estava nervosa ao entrar ao vivo no Jornal Nacional, por exemplo. Lembrei de muitas palestras em que eu achei melhor dizer logo ao público que estava ansiosa depois de reconhecer na minha própria voz meu medo de dizer alguma bobagem. É verdade: a voz revela tudo!
A antropóloga Angeles Arrien, que estuda povos originários, diz que a voz é – e sempre foi – o primeiro e maior instrumento que o ser humano tem e mais do que isso: é também a expressão de cada um de nós no mundo. Ninguém tem uma voz igual, nem gêmeos. Pode ser parecida, mas nunca exatamente igual.
A voz revela o quanto somos únicos. Expressar-se integralmente com a voz é reconhecer a sua individualidade, sua potência, sua capacidade de se colocar como você no mundo!
Uau! Será que sabendo de tudo isso ainda quero cantar? Quero mais do que nunca!
É muito comum as crianças cantarem. Não estão preocupadas com notas, harmonia, ritmo – simplesmente cantam. Nós não: vamos vestindo a nossa voz com armaduras que tentam nos defender do julgamento dos outros e do nosso próprio. Com isso, acabamos perdendo o poder de nos expressarmos como somos.
Eu sei que nunca serei uma cantora virtuosa, mas venho tentando buscar cada vez mais minha expressão autêntica e me autorizar a coloca-la no mundo. Até porque, minha expressão não precisa mais do aval de ninguém, só do meu. Isso é pouco e MUITO ao mesmo tempo.
Cantar exige espaço e relaxamento.
E é aí que entra outra lição preciosa que a Nicole me deu: cantar é poder ouvir a sua desafinação, sustentar-se no incômodo de reconhecer-se imperfeita.
E aí, vai encarar este incômodo e me encontrar nos karaokês da vida?