Alguns dias na minha casa são um verdadeiro caos. Mesmo acordando às 5 da manhã, antes das 6h30 já estou atrasada. Na maioria das vezes, essa sensação me invade quando a noite de sono foi curta ou interrompida pelo pesadelo de um filho ou pelo xixi na cama de outro.
O despertador toca, o coração dispara e a mente começa a questionar: “Já? Jura? Não dá para dormir só mais um pouquinho?!”. Sem outra alternativa, me levanto e começo o dia fazendo alguns rituais para acordar o meu corpo. Meu corpo me traz de volta ao presente e mostra que o cansaço pode se dissipar mais rapidamente quando sinto que minhas pernas, meu quadril, meu abdômen e meus braços estão bem dispostos.
Mas em alguns dias, o corpo pede mais. Pede mais movimento, pede mais tempo e, ultimamente, tem pedido mais calma. Nestes momentos, a minha impaciência grita dentro de mim feito um cão aprisionado em uma coleira curta. Se já é difícil lidar comigo mesma neste estado, encontrar a necessidade do outro fica ainda mais desafiador.
Foi em um destes dias bem penosos, que tanto o João quanto o Miguel acordaram reclamando: um fez manha na cama, dizendo que estava cansado demais, que não queria ir para a escola, o outro levantou-se e começou a esbravejar que não faria a lição de casa.
Respirei fundo: “Tudo bem, não precisa fazer a lição”. “Mas aí vou receber uma marquinha por não ter feito a lição”, ele retrucou. “Uma marquinha só, um dia só não tem problema.” ”Tem sim”. Respirei fundo novamente: “Qual é a lição?” “É uma redação. Como vou escrever uma redação em quinze minutos? Não consigo”, a esta altura, Miguel já estava chorando. Respirei fundo mais uma vez: “Que tal a gente colocar uma música que te inspira?” “Não vai adiantar”. “Que tal você respirar algumas vezes comigo para se acalmar?”, disse eu tentando me manter o mais longe possível de contribuir para aumentar o caos. “Não quero, mamãe”.
Quando me dei conta de que a única coisa que ele queria era alguém para ouvir suas reclamações, para testemunhar o quão difícil naquele momento era vencer as resistências e fazer logo a redação, decidi ouvir mais uma ou duas frases e sair de cena. Para não ficar ainda mais atrasada, corri para tomar um banho e debaixo do chuveiro respirei profundamente.
Ao descer as escadas, notei o silêncio. Ninguém mais estava chorando. O fio tênue de tensão parecia ter sido rompido pela água do chuveiro. Miguel sorria enquanto comia um caqui na cozinha. “Conseguiu, filho?” “Sim, mamãe: eu matei o personagem”. Não consegui conter a gargalhada e o orgulho!
Quantos papéis que nos afligem, que nos colocam no caos, que criam resistência nas nossas vidas a gente continua mantendo? Alimentando com palavras vazias narrativas próprias que, sabemos, não vão dar a lugar nenhum. Por que não abandonamos de vez esses personagens? Por que não acabamos logo com as tarefas?
Por que não vamos direto ao que nos faz feliz? Por que ficamos presos aos redemoinhos que nos afastam da alma da calma? Este é um convite meu e do Miguel para que você olhe a sua vida e mate os seus próprios personagens que já não fazem sentido na sua história. Não é sobre o outro. Sobre ninguém mais. Mas sim sobre os papéis e rótulos que você assumiu ao longo do tempo e que te deixam com preguiça de acordar e encarar o seu dia. Assuma o papel principal e, com muito amor, se livre destes personagens!