Vinho de sobremesa: o que é e como degustar?
Entenda como esse estilo de vinho pode ser uma ótima porta de entrada para esse universo e tire suas dúvidas com especialistas no assunto
Intensos, aveludados e fáceis de degustar, os vinhos de sobremesa são belos companheiros para as refeições. Seu sabor adocicado e textura untuosa combina muito bem com ingredientes e receitas das mais diversas – a exemplo de queijos e sobremesas –, mas ainda é pouco explorado até mesmo por amantes de vinho.
Para desmitificar esse tipo de vinho, convidamos especialistas no assunto para tirar suas dúvidas e, quem sabe, te deixar com vontade de despejar um vinho dessa categoria na taça na próxima oportunidade.
O que é um vinho de sobremesa?
Jonas Martins, sommelier e gerente comercial da importadora MMV, explica que, por definição da lei brasileira, para um vinho ser considerado doce ele deve ter, no mínimo, 25 gramas de açúcar por litro. “Importante lembrar que, nos vinhos finos, esse açúcar é residual da própria uva, sem adição”, acrescenta o especialista. Na tabela de dulçor, os vinhos são classificados em: seco, meio seco (demi-sec) e doce.
O título de “doce” faz com que muitos ainda associem esses vinhos a rótulos mais baratos, mas Jonas explica que essa ideia é equivocada. “Um dos vinhos mais desejados do mundo, o Chateau d’Yquem, chega a ter garrafas que ultrapassam os cem mil reais, dependendo da safra. Ele é um vinho doce natural produzido na região de Sauternes, na França. Mas há também boas alternativas mais em conta: um bom vinho precisa ter uma combinação equilibrada de açúcares e acidez, para que a bebida seja, ao mesmo tempo, doce e fresca.”
Entendendo os processos de um vinho de sobremesa
O sommelier executivo do Víssimo Group, Vinícius Santiago, explica que os vinhos doces são produzidos através de técnicas diversas, todas resultando em uma quantidade significativa de açúcar residual no produto final, deixando-os doce ao paladar. Eles também podem ser brancos, rosados e tintos, e ainda se dividir entre vinhos doces espumantes, tranquilos e fortificados.
“Eles podem ser produzidos através da interrupção da fermentação alcoólica (como os espumantes pelo método Asti ou fortificados doces, por exemplo), através da adição de um componente doce ao vinho (como Jerez adoçado ou alguns vinhos alemães) ou através da concentração do açúcar nas uvas”, explica o especialista. Confira alguns métodos comuns de concentração de açúcar:
- Na técnica da colheita tardia, como o próprio nome indica, as uvas são deixadas por mais tempo na videira. Nisso, a composição das frutas sofrem alterações e resultam em vinhos mais adocicados e alcoólicos.
- No método de desidratação das uvas ou passificação, chamado de appassimento em italiano, os produtores optam por um processo natural de desidratação parcial das uvas. A técnica ancestral consiste em deixar as uvas secarem até se tornarem passas, para então se iniciar a vinificação. O resultado é um vinho mais doce e concentrado.
- Já no processo que envolve o congelamento, essas “uvas de gelo” são cultivadas apenas quando os produtores encontram as condições climáticas perfeitas para que seja feito com qualidade – não é qualquer condição que permite o congelamento adequado para esse tipo de produção. Assim que as uvas chegam à vinícola, ainda congeladas, elas são submetidas ao processo de prensagem, no qual todos os cristais de gelo ficam na prensa, enquanto os outros sólidos e os açúcares que não congelaram formam um mosto concentrado. A técnica resulta num vinho mais doce e com elevada acidez.
- A podridão nobre é uma técnica que acontece a partir de vinhos elaborados com uvas botritizadas, ou seja, que são atacadas pelo fungo parasita Botrytis cinerea. Enquanto nas plantas esse fungo pode pode gerar estragos, nas uvas ele causa pequenas perfurações na casca, fazendo com que boa parte de líquido da fruta evapore, porém sem afetar negativamente o sabor. O resultado é um vinho com maior concentração de açúcares e, em consequência, alto teor alcoólico.
Vinho de sobremesa X Vinho fortificado
Diferentemente dos vinhos de sobremesa, que apenas apresentam um residual maior de açúcar, os fortificados são vinhos que possuem adição de álcool (aguardente, álcool etílico ou vínico) adicionados à sua mistura no processo de produção. Os resultados são vinhos de teor alcoólico mais elevado e considerados mais “fortes” do que os rótulos que não passam por esse procedimento. Esse processo foi pensado para dar estabilidade ao vinho, mas sem modificar sua estrutura, seguindo sendo um produto derivado unicamente da uva.
Já o sabor doce é uma consequência de sua confecção. O álcool da bebida destilada mata as leveduras responsáveis pela fermentação, fazendo com que sobre uma maior quantidade de açúcar não fermentado. Assim, o açúcar não é transformado em álcool e o resultado é uma bebida mais doce, forte e com maior teor alcoólico.
Segundo define a Eno Cultura, escola especialista em educação etílica, a variedade dos vinhos fortificados é bastante significativa e vem de milhares de anos. Um dos momentos mais marcantes da produção desse tipo de vinho vem do século XVII, quando os ingleses adicionavam álcool ao vinho para conservar a bebida durante as extensas viagens marítimas. A longo dos anos, a categoria foi ganhando uma maior variedade de estilos e também mais qualidade.
Por onde começar e como harmonizar?
Para quem não costuma se aventurar no universo dos vinhos ou até torce o nariz para essa bebida, começar pelos de sobremesa pode ser uma boa opção. Mais docinhos e palatáveis, esse estilo é uma ótima porta de entrada.
Em termos de rótulos, o sommelier Vinícius Santiago sugere começar por vinhos de sobremesa harmonizados. Ele dá três dicas pra quem está começando: espumante Moscatel com morangos (ou sobremesas à base de frutas); vinho do Porto Ruby ou LBV com chocolate; e vinho de podridão nobre (Sauternes, por exemplo) com torta de maçã ou amêndoas.
Ele explica que a harmonização varia muito de acordo com o estilo do rótulo, mas dá para apostar nos arranjos mais tradicionais. “Pratos doces em geral, queijos azuis, patês e terrines são combinações clássicas com diversos vinhos doces”, explica. Para ajudar, vale levar em conta que o vinho sempre deve ser mais doce do que a sobremesa, mas seu sabor não deve sobressair ao do prato degustado.
“Queijos, em geral, vão bem porque as características de gordura e sal desse ingrediente contrastam com o ácido e doce do vinho, o que gera, ao meu ver, as grandes harmonizações desse estilo. Essa dica vale ainda para a combinação do queijo com goiabada”, indica o especialista Jonas Martins. O clássico pudim de leite, segundo ele, é outra boa harmonização com um vinho doce.
Como degustar?
Vinícius Santiago explica que as etapas da degustação são as mesmas para todos os tipos de vinhos: aspectos visual, olfativo e gustativo. “Apenas levando em conta a doçura no paladar que deve estar em equilíbrio com a acidez e com os sabores do vinho. Vinhos doces desequilibrados tornam-se enjoativos”, salienta.
Outro ponto importante, ressaltado pelo sommelier Jonas Martins, é lembrar que são vinhos consumidos gelados, entre 6ºC e 10ºC. “Mas o ideal é aproveitar, sem amarras ou cerimônias. Vinho tem que ser, acima de tudo, prazeroso”, completa.