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Jup do Bairro e Linn da Quebrada: “A TV precisava de algo como nós”

Em bate-papo com CLAUDIA, as rappers falam de arte, representatividade e da nova temporada do talk show TransMissão

Por Gabriela Teixeira (colaboradora)
Atualizado em 29 jun 2020, 20h45 - Publicado em 28 jun 2020, 19h28
 (Canal Brasil/Divulgação)
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Olhando em retrospecto para a primeira temporada do TransMissão, talk show que apresentam no Canal Brasil, Linn da Quebrada e Jup do Bairro não têm dúvidas: nesta segunda fase do programa, elas estão muito mais maduras. E o que isso significa? Para Linn, ao contrário de uma rigidez de quem já sabe de tudo, o amadurecimento a deixou, em suas palavras, mais porosa. “Estar preparada, ao meu ver, é estar disposta ao erro. É olhar as pessoas que estavam sentadas na nossa frente e construir um campo favorável e seguro, onde pudéssemos esvaziar das nossas certezas e armaduras e nos colocar em uma disputa corpo a corpo para construir um pensamento coletivo”, explica em entrevista a CLAUDIA.

No ar desde o começo de junho, a segunda temporada faz parte da programação especial em celebração ao mês do Orgulho LGBT+, e traz mais bate-papos sobre questões de gênero, sexo, raça e cotidiano com convidados pra lá de engajados: Liniker, Amara Moira, Dira Paes e Xico Sá são alguns dos nomes com quem a dupla de rappers e apresentadoras conversaram para esta temporada. A novidade é que agora o programa também será disponibilizado em formato de podcast nas plataformas Spotify e Apple Podcast.

“A chegada do podcast conseguiu fragmentar ainda mais nossas ideias, em um compilado melhor e um maior tempo”, diz Jup, apontando o quanto valoriza as trocas que são feitas durante o TransMissão. “Os convidados se sentem confortáveis em falar e investigar com a gente a ponto de reconhecer que poderiam estar tendo um pensamento equivocado. E nós levantamos esse equívoco, mas com o cuidado de não ser como uma provocação, uma exposição.”

Inovadoras em um cenário ainda dominado por figuras masculinas e brancas, elas sabem muito bem o impacto de seus trabalhos e do que estão construindo. Sem modéstia, Linn sintetiza que a televisão brasileira precisava de algo como o TransMissão. “Precisava e precisa. Porque o que estamos propondo é um novo sistema, com outras fórmulas. E não temos nada a perder mas sim a ganhar instigando, desafiando os convidados e nos desafiando também.”

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É por isso, inclusive, que a ideia de uma terceira temporada, apesar de não confirmada pelo Canal Brasil, agrada as duas. “É importante para nós e para outras pessoas também. A galera fica excitada e nós também, é todo um tesão de conhecimento. Canal Brasil, joga uma boa notícia aí! Vamos fechar uma terceira temporada. Essa vai ser tão curtinha, vamos pensar em outras possibilidades”, sugere Jup.

TransFormações

Parceiras de longa data, Jup e Linn não estão juntas apenas na televisão, mas trilham lado a lado uma caminhada musical. Tanto é que a participação mais do que especial de Linn no álbum Corpo Sem Juízo, lançado no último dia 11, não se resume à voz na canção All You Need Is Love. Após alguns problemas no processo de produção de seu primeiro disco, Jup pensava em desencanar da música e investir mais em performance e moda, focando em sua marca No Pano. “Foi quando a Linn apareceu com suas composições e eu entendi o quanto aquilo era potente e vivo e também me atravessava, também falava sobre mim. E comecei a criar esse caminho com ela”, conta Jup. “Nós duas temos muito em comum, somos artistas do tempo. Muitas vezes as pessoas nos colocam como à frente do nosso tempo, mas eu gosto de corrigir e nos colocar como agentes do agora, do presente.”

Foi nesse decorrer que ela sentiu a importância de materializar as urgências de sua mente e de seu corpo e retomou o projeto “Corpo Sem Juízo”, no qual já trabalhava desde 2007. “Abri mão de abri mão de muitas composições, porque eu mudei, já sou outra. E apesar do quão essa narrativa possa soar autobiográfica, ela não fica só retida em mim. Com essa imortalização dos meus pensamentos, eu consigo enxergar a possibilidade de mexer nas minhas dores e feridas ainda frescas, mas também de devolver esse desconforto para quem ouve”, explica.

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Também na busca de entender as possibilidades que seu corpo pode almejar, Jup conquistou recentemente sua retificação de nome e gênero. Ela conta que sempre ficou muito curiosa de entender as possibilidades que lhe cabiam dentro do signo feminino e que a conquista “entra justamente para nomear esse corpo e o que ele significa” para ela. “Não é como se eu tivesse um aval de que poderei estar mais tranquila ao usar um banheiro público”, exemplifica, “mas ainda é um direito meu que foi batalhado lá atrás, pelo qual muitas pessoas trans dando seu sangue, literalmente. Executar esse direito enquanto cidadã é também um momento de eu olhar e sentir orgulho de forma efetiva dessas pessoas.”

Representatividades e responsabilidades

O talk show é, sem dúvidas, uma extensão da luta cotidiana das duas. Como mulheres trans, negras e periféricas, Linn e Jup sabem o peso que aspectos como gênero, raça e classe possuem em nossa sociedade. Ao ocuparem este espaço na TV – e também em outros meios, como o da música e da moda –, foi inevitável, portanto, que elas se tornassem ícones e espelhos nos quais outras pessoas finalmente pudessem se enxergar.

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Mas, segundo Linn, se por um lado esta representatividade é fundamental como plataforma e acessório que impulsiona nosso salto para que a gente chegue a outros lugares, ela também esconde algumas armadilhas. “A representatividade una não me interessa. Ela é um risco, principalmente quando cooptada pelo mercado que se interessa por tokens que possam representar toda uma comunidade. E é impossível que eu consiga representar toda uma comunidade, quando não consigo nem sequer representar a mim mesma”,  afirma, reforçando que existem muitas outras como e com ela.

Além disso, continua Linn, esta representatividade também pode ser perigosa no sentido de criar uma zona de conforto que nos pouparia de nos manifestarmos sobre certas questões, por já existir alguém dizendo e fazendo em nosso lugar. Na esteira das recentes discussões sobre antirracismo e LGBTfobia, por exemplo, a responsabilidade de debater o assunto não pode recair apenas sobre quem é diretamente afetado, mas precisa ser coletiva. “Nós estamos propondo um conjunto de ações, de pressões, nunca deixamos de fazer essas coisas. Mas enquanto sociedade, temos que assumir nosso quinhão de responsabilidade dessa dívida histórica. Em especial a população branca, cisgênero, normativa, que usufrui de privilégios. Mesmo que não seja racista ou lgbtfóbica, o silêncio e inconsciência perante tudo que está acontecendo favorece um dos lados.”

“Eu acredito que a grande carta coringa da nossa geração é justamente o local de fala”, diz Jup. Ao usar essa carta, explica ela, a pessoa pode simplesmente se eximir de aprofundar em certos assuntos que não fazem parte de sua vivência. Citando Djamila Ribeiro, a rapper aponta que, na verdade, o local de fala de um não exatamente significa o lugar de silêncio do outro. “O que acontece muito é responsabilizar o corpo oprimido pelas opressões causadas pelo sistema. É como se a responsabilidade de lidar com o racismo fosse única e exclusivamente da pessoa preta. Que tratar a transfobia seja tarefa da pessoa trans. Mas não somos nós que exercemos o racismo e a transfobia. Precisamos enxergar que as mortes são causadas principalmente por quem enfia a faca, mas é importante reconhecer quem vem amolando essas facas também.”

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