Kika Seixas, parceira de Raul Seixas, escreve pela 1ª vez sobre relação com o músico
O livro Coisas do Coração – Minha História com Raul é um presente para todos os admiradores de Raul e de música brasileira
Na estante de sua casa, no Rio de Janeiro, Kika Seixas tem 42 biografias de Raul Seixas, seu companheiro por cinco anos. “Chuto que deve ser mais ou menos isso e só três ou quatro valem a pena ser lidas, o resto tem muito achismo”, dispara a produtora musical de 68 anos.
Após a morte do músico, ela se envolveu em diversos projetos para preservar sua memória. Recebeu da mãe de Raul um baú cheio de rascunhos e itens pessoais do baiano e, inspirada por isso, lançou tributos como Baú do Raul, um show-homenagem, e Baú do Raul Revirado, livro em que revela os objetos guardados.
Desde o ano passado, porém, Kika sentia que começava a esquecer alguns detalhes da vida a dois, da carreira de Raul e da infância da filha do casal, Vivian. “Meu HD está ficando cheio e tem coisas que acho que minha filha precisa saber. As memórias seriam um presente de aniversário para ela, mas me convenceram a transformar em livro, o que aconteceu com a ajuda do meu amigo Toninho Buda, que também conviveu com Raul”, diz.
Coisas do Coração – Minha História com Raul (Ubook) virou um presente para todos os admiradores de Raul e de música brasileira. Com capítulos curtos, Kika revela o dia a dia do casal, a perspicácia e genialidade de Raul para compor e os últimos dias de vida do artista. A CLAUDIA ela falou mais sobre o processo de produção do livro, do doloroso processo de separação e luto e ainda faz recomendações musicais inspiradas na sua playlist da quarentena.
Há alguns anos, em uma entrevista, você disse que ainda se permitia chorar por Raul. Agora, escrever as memórias com ele obrigou você a recordar. Foi um processo doído?
Eu não teria conseguido sem o Toninho. Eu narrava para ele e ele transformava nesse texto de qualidade. Além disso, é um profundo conhecedor da obra do Raul e uma pessoa em quem confio. O Toninho conviveu com o Raul doente, se despedindo. Nós choramos juntos em alguns momentos e também demos risada lembrando de coisas boas. Depois de 30 anos da morte, o tempo diminuiu um pouco o sofrimento. Não é que você esquece, mas se acostuma.
No livro, você mostra de forma muito empática a luta de Raul contra a dependência química. Não faz julgamento. Sempre se sentiu assim ou já sentiu raiva pela interferência disso na vida dele e na da sua família?
Raiva nunca senti, mas tive uma desilusão. Eu vi que, apesar do meu esforço e da consciência dele de como aquilo era autodestrutivo, não ia mudar. Foi acabando com a criatividade dele, com o organismo e eu não quis ficar com alguém que não queria se tratar. A Vivi começou a sentir o ambiente, dar problema no colégio. Entendi que esse era o caminho dele e me afastei. Tive a sorte de poder contar com meus pais, que sempre nos acolheram.
Vocês seguiram trocando cartas e conectados, mas você se mudou de São Paulo para o Rio e depois até passou uma temporada fora do país. Como explicava isso para a Vivi?
O Rio era uma festa para a Vivi, era onde estavam os avós, os primos. A verdade é que recebemos muito amor. Hoje, vejo que fomos sempre cercadas por algo mágico. Não sei o que era, se as entidades de luz, Deus, mas fomos muito amparadas. Eu explicava que o pai dela estava no hospital se cuidando, que tinha que tomar remédio e comer bastante para ficar bom e forte. Raul sempre foi um doce com ela. Era um contador de histórias maravilhoso. Fazia desenhos, inventava personagens. Tinha o Maluquinho, que escondia as bonecas dela. Ele a divertia. Era tudo leve, singelo. Nunca falei mal do Raul para Vivi.
Você relata a sua emoção ao ver Raul se apresentar pela primeira vez. Depois de tantos anos trabalhando na área, já encontrou outro talento assim?
Raul é único, o estilo dele, as letras. Mas sou casada hoje com um dos maiores músicos brasileiros, o Arnaldo Brandão, um baixista com grande qualidade musical.
O que tem ouvido recentemente que recomenda?
O pianista inglês Jools Holland tem um programa no Canal Bis, de domingo, que amo. Também escuto muito Moby e Leonard Cohen, que apresentei pro Raul e pro Arnaldo. Recomendo pra todo mundo. Ainda tenho a sorte de ouvir o Arnaldo sempre.