Thai de Melo Bufrem tem a essência questionadora, mesmo sem se dar conta. Desde a adolescência, subverteu as normas sociais para garantir a liberdade de seus princípios. Enquanto mulher, esposa, mãe e filha, deixou de seguir as regras assim que pôde. Na internet, conquistou o público com um humor irreverente e um perfil autêntico.
Agora, estreia nos palcos do Teatro Unimed, em São Paulo, com a peça Como é que eu vim parar aqui?, título que vem de um questionamento que, em algum momento, surge em todos nós. Não, a fashionista não virou atriz e ela faz questão de repetir isso durante toda nossa conversa — que, inclusive, foi cheia de declarações sinceras e boas risadas.
Nascida em Boa Vista, Roraima, Thai teve a infância e adolescência marcadas pelo relacionamento conturbado dos pais. Durante a separação do casal, quando tinha 15 anos, decidiu “fugir” e ir morar sozinha em Curitiba, onde terminou o Ensino Médio e ingressou na faculdade de jornalismo. “Acho que minha vida é feita de fugas. Depois, morei na Itália por seis meses e, quando voltei, conheci o Marcelão, meu atual marido. Vou dizer atual para ele ficar esperto”, brinca.
Com três meses de namoro, a jornalista engravidou e passou a viver como dona de casa e mãe. Quando os filhos Marcelo e Lorenzo — aos quais se refere com a aglutinação ‘’MarceLorenzo’’ nas redes sociais — completaram seis e sete anos, respectivamente, ela teve uma espécie de epifania e repensou toda sua trajetória.
Percebeu que queria mais e precisava tomar as rédeas da própria história. “Viver sem possibilidades é uma sentença. Saí do cheque do meu pai para o do meu marido. Quando olhei para tudo isso, senti que a vida não me preenchia”, conta. “Fui atrás das decisões que só o meu próprio dinheiro me permitiria ter.”
A saída foi ingressar no mercado de trabalho, aos 30 anos, como vendedora de loja em um shopping. Para cumprir a meta de vendas e atrair mais clientes, surgiu a ideia de publicar vídeos provando roupas e falando sobre situações do cotidiano.
Saí do cheque do meu pai para o do meu marido. Quando olhei para tudo isso, senti que a vida não me preenchia. Fui atrás de decisões que só o meu próprio dinheiro me daria
Thai de Melo
“A criatividade veio da escassez. Usava os brinquedos dos meus filhos para gravar e isso foi um diferencial. Para mim, o que valia naquele momento era ganhar um bom salário. Friso isso porque a mulher não é ensinada a falar sobre dinheiro, mas ele dá autonomia. Não quero ser como um passarinho com a boca aberta esperando alguém me alimentar.”
Desafiando regras
A mudança para São Paulo foi um momento decisivo na vida de Thai, pois foi a oportunidade que teve de seguir um sonho antigo. “Sempre falei que, se fosse começar a minha vida, ia ser na metrópole. Isso se tivesse outra vida, porque sentia que, com essa aqui, não tinha mais o que fazer”, comenta.
O começo não foi fácil. Ainda como gerente de uma loja de varejo, ela dividia apartamento com uma amiga e voltava para ver sua família, em Curitiba, a cada quinze dias.
“Perdemos muitos amigos que não aceitavam esse modus operandi. Morando longe do Marcelão, que cumpria um papel historicamente dado às mulheres, cuidando dos filhos, me tornei uma ameaça. Nossa relação passou a ser uma possibilidade para outras pessoas.”
A paixão pela capital nasceu porque esse era o lugar onde ela sentia que poderia ser livre, sem expectativas alheias. “Eu não era a filha ou a esposa de ninguém. Não tinha sobrenome. Era a Thai que trabalhava com internet.”
De lá para cá, o conteúdo criativo se destacou por sua personalidade irônica, pelo dia a dia realçado com moda e trocadilhos curiosos com o nome — tratamento, por exemplo, vira “traTHAImento”, assim como qualquer outra palavra que, porventura, traga a sílaba “tá”.
As sátiras da vida real fizeram com que, em tempo recorde, ela se tornasse uma das influenciadoras de moda mais icônicas do país. Ao alcançar o patamar de 190 mil seguidores e conseguir trabalhar com marcas consagradas, a jornalista se sentiu realizada. “Quando me vi independente, foi uma sensação de renascimento. A gente passa a vida gestando até os 40 anos quem a gente vem a ser. E eu fiquei tanto em casa com 30 anos que, na hora que a porteira abriu, passei a me arriscar e a fazer tudo sem me levar tão a sério.”
O reflexo no espelho
A relação de Thai com a moda começou cedo e foi herdada da família. Ela conta que seu pai adorava levá-la para fazer compras e sua mãe sempre gostou de se vestir bem. Mas, para ela, a história das grifes e dos movimentos artísticos ficam em segundo plano. As roupas são, na verdade, o caminho encontrado para se comunicar com o público.
Enquanto vemos os reels que entregam looks elaborados, também a ouvimos falar sobre afeto e autoestima. “Uso a moda para me provocar e me tirar da zona de conforto. Quando você coloca um blazer do lado contrário, por exemplo, mostra um jeito diferente de enxergar a vida”, diz, fazendo alusão às fotos belíssimas deste ensaio.
O espelho, porém, demorou a se tornar seu melhor amigo. Até a fase adulta, ela teve anorexia e vivia fazendo dieta, chegou a considerar até uma plástica no nariz. Hoje, a dismorfia — preocupação excessiva com defeitos inexistentes ou sutis da aparência que causa angústia — não ocupa mais esse espaço.
No feed do Instagram, as selfies de cara limpa e muita autoconfiança são recorrentes. A preocupação com a imagem deu lugar à mensagem que ela deseja passar aos seguidores: “Aprendi a diluir a minha beleza em outros aspectos da minha personalidade. Quando isso aconteceu, comecei a criar mais”, revela. “Quero que as pessoas saibam que poder fazer escolhas é a coisa mais importante do mundo.”
Impulso de coragem
Quem segue a influenciadora sabe que, em seus vídeos, ela interpreta uma personagem: uma mulher soberba que anseia pela fama a qualquer custo, briga constantemente com o marido e nem sabe se tem um ou dois filhos. “Isso é uma crítica para evidenciar a sociedade egocêntrica em que vivemos.” Em agosto e setembro, é esse alter ego que ocupa o palco do Teatro Unimed em oito apresentações, sempre às quartas-feiras, com estreia marcada para o dia 7/8.
Leonino como ela, o monólogo de autoficção aborda temas como casamento, maternidade, fama e o universo digital — questões contemporâneas importantes para serem debatidas. “Quem estiver assistindo não vai saber o que é mentira e o que é verdade. Minha vida é surreal, então é capaz que a plateia ache que é tudo mentira”, diz entre risadas.
Seu propósito é que a apresentação cause reflexão a partir do humor, pois, segundo Thai, é ele que nos ajuda a pensar sem preconceitos. “A minha sensação é de um bebê que não sabe falar. Meu marido sempre pergunta como estão indo os ensaios e sempre respondo que não sei, não tenho base de comparação. É angustiante e, ao mesmo tempo, maravilhoso”, afirma.
É ela, inclusive, quem está no comando de todas as frentes da peça: fez o roteiro, aprovou o design da divulgação e até fez a direção executiva. Não só isso: o investimento financeiro também veio da influenciadora. A direção, por sua vez, é de Bruno Guida e o figurino fica por conta do renomado estilista Alexandre Herchcovitch.
A coragem de fazer algo totalmente inédito vem da vontade que tem de desenvolver novas habilidades. “Coragem, para mim, é um pouco de inconsequência. Me sinto na ponta de um precipício. Mas, sempre que pulei, tinha uma cama elástica lá embaixo. Desta vez, espero que também tenha.”
A expectativa é conseguir comparar a plataforma digital, o Instagram, com a analógica, o teatro, e mostrar que a vida acontece, sobretudo, fora das telas. “O teatro começou com uma pessoa que pegou um caixote e falou o que sentia. Quero muito saber como vai ser essa grande palestra sem edição e sem filtros.”
Coragem é um pouco de inconsequência. Me sinto na ponta de um precipício, mas sempre que pulei tinha uma cama elástica lá embaixo. Desta vez, espero que também tenha
Thai de Melo
Durante esse processo, a influenciadora acumulou muitos aprendizados: percebeu que consegue pensar rápido em soluções para as dificuldades do dia a dia, se adaptou ao trabalho em equipe e compreendeu a importância da rede de apoio para viabilizar novos projetos. “Estou adorando me enxergar de outras formas. Consigo ter outras visões sobre mim através de quem me rodeia”, declara.
De todas as decisões que Thai tomou desde o que chama de “renascimento”, ela não se arrepende de nenhuma. Pelo contrário, fica feliz de ter arriscado o conforto e a segurança em nome do desconhecido. Isso proporcionou não só a sensação de realização pessoal, mas também melhorou a relação com o marido e com os filhos.
“Sou uma mulher jovem, seria muito difícil se eu tivesse parado minha vida e me deixado de lado. Hoje, meus filhos são grandes e vivem a vida deles. A gente se ama, mas cada um segue seu caminho”, diz. “Eu nunca iria construir uma boa relação com os outros se não tivesse construído uma boa relação comigo”, reflete.
Créditos
- TEXTO Beatriz Lourenço
- FOTOS Pablo Saborido
- STYLING Renata Brosina
- BELEZA Angélica Moraes (Com produtos Dior Beauty)
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