Conheça o WOW, 1º programa de capacitação exclusivo para artistas mulheres
Marina Bortoluzzi, cofundadora do Instagrafite e idealizadora do projeto, selecionou 86 mulheres de todo o país para aulas gratuitas com artistas renomadas
Participante ativa de vários grupos e coletivos de mulheres dos mais diversos segmentos – de astrologia a finanças -, a curadora e cofundadora do Instagrafite, Marina Bortoluzzi, sentia falta desse tipo de união entre as mulheres na sua profissão. Especialmente no campo da arte urbana e grafite, o meio é predominantemente masculino. “Sentia falta de conhecer mais artistas mulheres, especialmente na arte urbana. Isso era ruim até para meu trabalho de curadora. Por isso, reavaliando meu papel como mulher nesse meio, decidi que precisava criar algum projeto voltado à esse público”, explica Marina.
Foi dessa reflexão que, em março, a curadora desenvolveu o Women on Walls (WOW), um programa gratuito de capacitação para artistas visuais mulheres. “O meio da arte urbana é pouco profissionalizado e as ruas são um ambiente hostil para as mulheres. É muito importante mostrar apoio e fortalecer a comunidade artística feminina e foi por isso que resolvi criar o WOW”, diz a criadora.
Inicialmente, as aulas iriam acontecer no mês de junho em São Paulo, de forma presencial. Porém, com o início da pandemia, os planos mudaram. Como não queriam ter que aguardar até o próximo ano para colocar o WOW em prática, Marina, com apoio de seu sócio Marcelo Pimentel, repensou todo o cronograma para torná-lo completamente online. Foi desenvolvido, então, um planejamento com 24 aulas transmitidas pelo Zoom e com 32 professoras renomadas no meio artístico, como Nina Pandolfo, Rosana Paulino, Hanna Lucatelli e Criola.
Além de abordar temas práticos, como a criação de um estilo próprio, há aulas voltadas ao feminismo, ancestralidade e o papel da mulher artista. O WOW também ensina como cuidar da parte financeira e das redes sociais. Foram 86 mulheres selecionadas, além de outros artistas que acompanharam os vídeos das aulas pelo YouTube. Depois do fim das aulas, algumas das alunas foram convidadas para participar do festival West Side Gallery, um dos maiores corredores de arte urbana da região metropolitana de São Paulo.
“No fim, acho que a experiência online foi até mais produtiva do que seria a física, porque nos deu a oportunidade de conhecer artistas incríveis de todas as regiões do país e também trazer professoras de vários lugares, inclusive de fora do Brasil”, diz Marina.
Para conseguir criar um ambiente de troca para além das “salas de aula”, o WOW também criou um grupo de WhatsApp com todas as alunas, para que elas pudessem se conhecer melhor e trocarem informações, dúvidas e aflições. “O WOW fez muito além de só capacitar artistas, ele juntou mulheres de vários estados para trocas maravilhosas. Conseguir tanto aprendizado, conhecer pessoas em um momento no qual estamos impossibilitados de sair é algo que aquece a alma e o coração, dá um gás para continuarmos produzindo”, contou a artista Natalia de Sousa Flores.
Seleção
Marina conta que a ideia inicial era de selecionar apenas 60 mulheres, mas ela e a equipe acabaram escolhendo 86. Através de um edital, as interessadas contaram um pouco de suas histórias e enviaram seus portfólios. “A nossa ideia não era se fechar em artistas com formação ou com vários cursos. O que mais contou na hora da escolha foram realmente as histórias que elas contaram. Foram tantas tão incríveis que acabei tendo que abrir mais algumas vagas”, conta a curadora.
Após o fim das aulas, Marina contou com a ajuda de outras curadoras para oferecer mentorias individuais para 60 alunas, com análise de seus portfólios. Ela conta que, apesar de algumas das artistas terem muitos seguidores nas redes sociais, não conseguiam se inserir efetivamente no mercado e, com uma conversa e dicas mais direcionadas, poderiam reverter essa situação. Foram mais de 5 horas diárias de consultoria e aconselhamento, também através de videoconferência.
Machismo na arte
Tendo a rua como palco para a arte, as mulheres têm dificuldades para se inserir no meio da arte urbana e do grafite. Ainda que elas existam e estejam em grande número lutando pelo seu espaço, não são bem-recebidas pelos artistas homens e, em festivais, não há equidade de gênero no line-up. Para Marina, além do machismo no meio, ficou muito claro depois das aulas e com o convívio pelo WhatsApp que as mulheres são muito mais autocríticas que os homens e questionam muito sua própria capacidade.
“A gente se questiona mil vezes antes de pintar, grafitar na rua, colocar um projeto em prática. Eu mesma pensei muito antes de ter ‘coragem’ de efetivamente começar o WOW. A mulher tem essa barreira emocional para ser driblada e por isso é tão importante desenvolver essa relação de irmandade uma com as outras. Entre nós do WOW foi criado um pacto, elas se ajudam com tudo no grupo, de questões práticas até emocionais. É uma egrégora”, diz.
Festival
Além da capacitação de mulheres artistas, mais do que nunca, o Instagrafite reforça a importância da arte como ferramenta social para a manifestação por direitos das mulheres, não apenas na esfera profissional e artística, mas dentro da sociedade. Para encerrar a primeira turma do projeto, em parceria com o projeto Falando pelas Paredes, o WOW projetou trabalhos das artistas participantes em um prédio da Consolação.
Logo após o encerramento, as 11 alunas que foram selecionadas pela equipe de curadoria da West Side Gallery ajudaram a grafitar e pintar 1.290,35 m² em muros nos arredores da Avenida Feres Nacif Chaluppe, em Itapevi. As obras apresentam a força, sensibilidade e intuição feminina em trabalhos originais e autorais das artistas convidadas.
A intenção de Marina e da equipe do WOW é que ele se torne um evento anual, com lançamento do edital todo dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Para as alunas, o projeto serviu como um ponto de virada em suas vidas. “De longe essa foi umas das melhores formações que já fiz. Inspiradora, motivadora, questionadora, provocante… Foi uma experiência potente inclusive por suas metodologias e cenários construídos para a inclusão de debates contemporâneos e pertinentes, como feminismo e luta antirracista, movendo e alicerçando nossas passadas na direção do mundo que queremos criar.”, diz Georgia Cardoso, de Recife.
Conversando sobre notícias ruins com as crianças