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As mulheres que estão desafiando a antiga ideia de velhice

Uma geração de mulheres está mudando a forma como a maturidade é encarada e tirando onda do que elas chamam de a melhor fase da vida

Por Isabella Marinelli Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 24 jul 2020, 15h03 - Publicado em 6 mar 2020, 07h00
 (Camila de Almeida/CLAUDIA)
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Não é uma tendência para o futuro, mas realidade. Em outubro do ano passado, o Rio Grande do Sul viu o número de idosos ultrapassar o de crianças e jovens até 14 anos. Esse marco é sintomático. Seguindo o panorama mundial, o Brasil está envelhecendo a passos largos e com contornos ainda mais acelerados. Segundo cálculos do IBGE, em 11 anos o acontecimento do estado sulista terá se repetido por todo o território nacional. E, em 2050, os seniores serão mais de 68,1 milhões, enquanto crianças e adolescentes até 14 anos somarão 18,8 milhões, segundo as expectativas mais moderadas da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. Um movimento populacional tão expressivo não ficaria sem nome. Essa é a onda prateada, que promete mexer com a sociedade, as famílias e todas as mulheres, independentemente da idade.

“As mulheres que chegam hoje aos 60 anos assistiram à segunda onda feminista, que foi às ruas para reivindicar direitos na década de 1960. É claro que esse contexto determinaria o jeito como se comportam, querem viver e encaram a velhice”, explica Layla Vallias, mercadóloga e cofundadora da Hype60+, agência de consultoria de marketing especializada no consumidor sênior. Em parceria com a Pipe Social, plataforma vitrine que conecta negócios a investidores, a agência elaborou o estudo Tsunami60+. É o primeiro dossiê do tipo no Brasil, uma análise nacional que levou em conta as aflições, os desejos e as expectativas de pessoas com mais de 55 anos de todas as classes sociais.

Os dois sexos foram analisados, o que revelou uma grande diferença no modo como homens e mulheres reagem à passagem do tempo. Enquanto eles entram em uma lógica de tristeza pós-aposentadoria, em razão do desmantelamento da figura do provedor, elas adotam a “fase da borboleta”, em que finalmente se libertam e passam a viver como sempre desejaram, longe das obrigações domésticas e profissionais. “A depressão do homem maduro é um problema sério, que deve ser encarado. Na outra ponta estão elas, capitaneando a revolução dos cabelos prateados, se exercitando, armando eventos em casa com as amigas”, explica Layla. Ao se verem com os filhos criados e sem a rotina de trabalho, podem partir para descobertas. Muitas se separam, como provam os dados. Segundo o IBGE, os divórcios dobraram na última década entre pessoas de mais de 50 anos. Isso demonstra que está caindo por terra o medo paralisante da solidão. Estar sozinha significa, então, abrir espaço para novas experiências – afetivas ou na própria companhia.

rita-tavares
(Fernando Costa/CLAUDIA)

“O meu ponto de virada foi em 1997. Terminei um casamento de 24 anos porque ele já não representava a união que eu desejava. Desde então, virei outra pessoa e vivi muitas coisas. O sentimento de liberdade foi tão expressivo que quem convivia comigo notou e comentou a diferença. Eu era conservadora, uma chatonilda. Teria 48 anos de casamento hoje, mas graças a Deus não chegamos a isso. O que tivemos foi de bom tamanho”, diverte-se a professora aposentada Rita de Cássia Tavares Rodrigues, 70 anos.

Nascida no Rio de Janeiro, trabalhou em três empregos ao mesmo tempo. Descreve-se como alguém que sempre foi ativa, daquele tipo que, quando pega um problema para resolver, faz dar certo. Com uma carga tão pesada, considerava sagradas as férias de janeiro e julho com as filhas pequenas. Mas foi só recentemente, depois de parar de trabalhar, que resolveu se jogar no mundo. Em 2013, partiu para um mochilão pela Europa. “Fico nos hostels porque é mais fácil de pagar só para mim. Chegando lá, faço amizades, mesmo com quem não fala a minha língua. A gente se entende na hora e eu não fico sozinha. Isso é que é legal”, conta.

Entre uma viagem aqui e um compromisso ali, uma de suas maiores paixões tem cor: verde e rosa. A escola de samba Mangueira, que Rita não larga de jeito nenhum, ocupou sua agenda recente com os ensaios técnicos do Carnaval. “Eu tento descansar, porque sei que não tenho mais a mesma resistência, mas faço de tudo. Uma semana antes do Carnaval, fui a dois blocos e aos preparativos para o desfile da escola. Não abro mão de nada em razão da idade”, orgulha-se.

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Para celebrar os 70, armou uma roda de samba com muita cerveja. “Durante a festa, perguntei pra um convidado impressionado se ele achava que seria chá com bolo. Ouvi dos jovens que eles nunca tinham bebido e se divertido tanto. Eu sei que cada minuto precisa ser vivido com intensidade. Posso dizer que é a melhor fase da minha vida, porque curto demais”, garante.

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(Camila de Almeida/CLAUDIA)

VIAGEM INTERNA
Foi aos 50 anos que a produtora cultural carioca Vita Christoffel fez o grande mergulho para dentro de si mesma. A entrada na menopausa acarretou-lhe uma anemia profunda, e ela teve que parar para se cuidar. Recém-divorciada, foi passar uma temporada em Minas Gerais. Adotou uma reeducação alimentar que incluía comer o que plantava e abraçou uma fase de profundo autoconhecimento. Entendeu que precisava entrar em contato com a própria natureza e raspou a cabeça. Foi quando, em suas palavras, passou a ressignificar a vida.

Com os fios já crescidos, decidiu que não queria mais gastar tempo e dinheiro pintando o cabelo. “Ouvi de muita gente que era desleixo. Mas, para as jovens, a minha estética é ousada; elas dizem que se inspiram em mim”, conta Vita, hoje com 56. Pelos olhos juvenis da filha, Luana, em ensaios fotográficos ela reencontrou a própria beleza. “Vi os retratos e pensei: ‘Acho que gosto disso’”, lembra. Há dois anos se programou para investir tempo e energia na moda. Vive como nômade (já passou por Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará), carregando duas malas, uma de verão, outra de inverno.

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“Observei modelos com rugas e cabelos grisalhos, especialmente em imagens europeias, e concluí que é o que eu quero fazer”, conta. Ela integra o casting de uma agência de modelos, já desfilou na São Paulo Fashion Week e compartilha um pouco de seus dias no perfil do Instagram @vita50mais. “Quero ouvir histórias e dividi-las com outras mulheres. A vovó de hoje não tem mais esse estereótipo de blusa de crochê e coque. Ela usa as roupas da filha. Como é legal essa liberdade!”, defende Vita.

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(Júlia Rodrigues/CLAUDIA)

DE CALCINHA, SIM. POR QUE NÃO?
Também foi no Instagram que a estilista paulista Helena Schargel (@helenaschargel) compartilhou alguns de seus melhores cliques usando calcinha e sutiã. Não eram quaisquer peças; faziam parte da coleção que ela lançou para as meninas de mais de 60, como gosta de dizer. Quando se aposentou, após décadas de trabalho em uma fábrica de tecidos, inaugurou uma etapa de muitas descobertas.

Colocou na cabeça que faria tudo o que deixara de lado ao longo dos tantos anos equilibrando a carreira, os cuidados com os dois filhos e a dedicação aos dois casamentos. Inscreveu-se em vários cursos, principalmente nos de culinária. Fez pilates três vezes por semana e até aulas de pintura entraram na agenda. Mas faltava aquela faísca. “Sou movida a tesão”, exclama. Então, em uma reunião de mulheres maduras, enquanto discutiam ideias de negócios, ela soltou que gostaria de lançar uma linha de roupas íntimas para mulheres mais velhas. Nada de peças sem graça. Precisava ser confortável, mas também sexy.

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“Falei totalmente de improviso, mas sinto que essa ideia já estava em algum lugar em mim”, relembra. Choveram perguntas sobre onde as peças poderiam ser adquiridas quando Helena ainda nem sequer havia pensado como viabilizar aquela história. A estilista então ligou para uma amiga, dona de uma grande confecção, que topou entrar com ela nessa aventura. As peças foram produzidas, distribuídas nos pontos de venda e ganharam lindas fotos protagonizadas por ela. “Chegaram a me perguntar se eu iria mesmo posar de lingerie. Disse que sim, porque queria ajudar as mulheres mais velhas a sair da invisibilidade”, argumenta. No primeiro desfile, ela foi aplaudida de pé. O mesmo aconteceu quando passeou pela fábrica onde as peças foram produzidas. “Foi algo que nem consigo explicar, de tão especial”, conta, emocionada.

Idade não é nem nunca foi um impeditivo na vida de Helena. “Brinco que passei mais de dez anos com 33. Nunca fiz conta de idade”, afirma. Para ela, envelhecer e viver por mais tempo com qualidade é algo novo, mas possível e incrível na mesma medida. “Todo dia, a qualquer lugar que eu vá, escuto: ‘Vou ser como a senhora quando crescer’.”

 

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