A capa que coloca os profissionais da saúde como super-heróis precisa ser vista com cautela. Pelo menos para a R.B., que prefere não se identificar e passa boa parte do seu dia na sala de parto de um hospital particular de São Paulo. A enfermeira obstétrica viu sua rotina profissional, que já era corrida, ficar ainda mais desgastante. “Esses dias cheguei a fazer plantão sozinha, já que todas as companheiras de turno foram afastadas por conta dos sintomas típicos da Covid-19”, revela.
Antes de sair de casa para trabalhar, o medo já dá as caras por conta da pandemia do novo coronavírus. O medo não está só no contágio no ambiente de trabalho, mas principalmente pelo caminho para chegar até ele. ”Encarar o trajeto, seja de transporte público ou carro de aplicativo, é um desafio”, afirma a profissional que mora com o marido, que também precisa trabalhar fora. Os dois têm algumas máscaras em casa, que usam para ocasiões de mais exposição, como a ida ao mercado. “Não temos muitas”.
Diferente de áreas da medicina em que procedimentos e cirurgias podem ser adiados, dependendo do caso, na obstetrícia essa possibilidade não existe. “Tem muita gestante buscando a cesárea para antecipar o parto, e alguns médicos acatam essa decisão”. O olho no olho, a clareza nas explicações a cada procedimento e o acolhimento foram intensificados, assim como os protocolos de higienização. “Além de todos os profissionais usarem os EPIs, o atendimento humanizado nesse momento é essencial, tanto para a mãe como para o acompanhante, que ficam tensos com a possibilidades de contrair a doença ou infectar o filho”.
Mas nem tudo está sob o controle deles. Segundo as orientações do hospital, apenas os profissionais que acompanham pacientes com sintomas típicos do coronavírus que podem usar as máscaras N95. “Tive contato com uma gestante com sinais gripais, mas que não avisou à equipe no pronto-atendimento. Ela só nos contou pouco tempo antes do parto”, relembra R.B., que acabou não usando o equipamento de proteção individual correto por conta desta recomendação do hospital.
A enfermeira explica que as parturientes diagnosticadas com a Covid-19 têm a presença do acompanhante reduzida apenas ao momento do parto. “Nos casos que atendemos, a pessoa só viu o nascimento do bebê e logo em seguida foi retirada. Posteriormente, mãe e filho foram juntos para a sala de recuperação e depois para o quarto. Os dois fizeram o isolamento juntos tanto no hospital como em casa depois da alta médica”, explica a profissional.
R.B. oferece todo cuidado necessário para que as famílias cheguem em casa com essa nova vida em segurança e saudáveis nesse cenário delicado. Por outro lado, dentro do seu lar, a enfermeira teme em colocar os seus familiares em risco. “O sentimento é de frustração, porque estamos expostos. Nós temos essa capa de herói, mas não é fácil. Às vezes, a família tem uma visão diferente e precisamos mostrar para eles como é necessário seguir as orientações. Ao mesmo tempo, também tenho que cuidar de mim, já que vivo dias de muito estresse, cansaço e exaustão”. Nos raros momentos livres, filme, estudo, meditação e oração são as válvulas de escapes para ela.
Em tempos de isolamento, não se cobre tanto a ser produtiva: