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Alexandre Nero fala a CLAUDIA sobre família, política e internet

No cinema, vive o pianista João Carlos Martins. Na TV, o corrupto Geraldo, de Filhos da Pátria. Na vida, acha que é hora de um novo papel nas redes sociais

Por Guta Nascimento Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 20 set 2017, 09h00 - Publicado em 20 set 2017, 09h00
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  • Quem acompanha Alexandre Nero no Twitter ou no Instagram já se acostumou com o humor ácido e a divertida ironia do ator. A vocação para desconstruir estereótipos talvez seja um dos pilares do enorme talento que o faz ser tão versátil. Atualmente ele nos emociona como o pianista-prodígio João Carlos Martins, no filme João, o Maestro (lançado em agosto), e nos faz rir como o corrupto Geraldo Bulhosa, na nova minissérie da Globo, Filhos da Pátria (disponível primeiro na internet para assinantes).

    Mas não tente definir Nero. Quando o chamam de global, ele lembra que só chegou à TV aos 40 anos (hoje tem 47), depois de fazer muito teatro e até varrer palco. Quando o endeusam como ator, ele ressalta que é cantor também (a entrevista foi feita no camarim do teatro onde, poucas horas depois, ele se apresentou cantando com o maestro João Carlos num concerto para divulgação do filme). “Tem gente que se sente ofendida, até me agride porque eu faço muita coisa. ‘Pô, o cara faz novela, é ator, ganha prêmio, é indicado ao Emmy (prêmio internacional), e canta bem! Ah, não!’”, diverte-se.

    Ser rotulado de galã, administrar fama e assédio são coisas que incomodam você?

    Durante um tempo lidei muito bem com isso porque veio tranquilamente, de maneira devagar, ninguém me conhecia direito. Até que surgiu o Comendador (papel na novela Império, de 2014), que foi um negócio assustador, uma invasão brutal. Pessoas na porta da minha casa, gritando na rua, não me deixando comer, descobrindo meu telefone, ameaçando de morte minha mulher e meu filho. Coisas cruéis. Depois de me incomodar bastante e eu ficar muito mal, chegou uma hora em que decidi trabalhar isso. Não fazer tudo que as pessoas querem e não sofrer. Tenho melhorado bastante, é um exercício. Nem sempre tiro foto; quando não dá, não dá. As pessoas ficam aborrecidas, mas eu falo: “Sinto muito”. Antes eu tirava e ficava chateado comigo porque o avião estava saindo, eu estava em reunião ou numa ligação e não sabia dizer não. Então, comecei a dar prioridade às coisas que são realmente importantes. Quando estou com minha mulher, meu filho, fazendo uma coisa para mim, comendo, não tiro. Mas quem me conhece sabe que, quando posso, sou solícito.

    Suas redes sociais têm um perfil provocador, irônico, vídeos irreverentes. Ali é você ou um personagem?

    Não faço mais nada provocativo na internet. As coisas já estão “provocadas” demais. Na época desses vídeos, pouca gente me seguia. Quando você não é conhecido, os ataques são muito menores. Hoje, muita gente me segue (1,7 milhão de fãs no Instagram e mais de 300 mil no Twitter). São pessoas de diversos níveis intelectuais, sociais, etnias, religiões. Pra falar algo, eu preciso ter uma profunda responsabilidade. As piadas que eu fazia não têm mais sentido, a não ser que seja muito sutil, muito chapa branca. Eu não quero comprar essa briga. Já briguei muito. Pensava que dava para dialogar, mas a internet não é para isso. Não tem debate na internet, só tem “verdades”. Ninguém quer debater nem ouvir. Todo mundo só quer falar.

    Tem alguma coisa que você tenha dito de que se arrependa porque hoje tem outra visão?
    Todo dia. A gente está aprendendo e reaprendendo tudo. E acho legal isso. Há coisas que hoje só consigo falar porque aprendi. Há muito pouco tempo, se você perguntasse qual meu lado feminino, eu iria falar: “Ah, eu choro com filme”, como uma caricatura das mulheres. Hoje eu diria que é algo besta, porque eu posso chorar sendo homem. Aliás, me deixem chorar! O feminismo também liberta o homem. E eu sou muito grato ao feminismo. Você é quem tem que me dizer o que é ser mulher; eu nunca fui. E esse falar “nunca fui, não posso dizer”, aprendi com vocês, nos diálogos, nas conversas. Isso vale para o racismo. Como vou discursar em relação ao negro? Não tenho como. O que eu posso é apoiá-lo. Não posso falar “é isso que está acontecendo”. Então, diariamente a gente faz, sim, burradas, fala bobagens, sim, às vezes sem pensar e sem querer, às vezes como piada mesmo. O preconceito vem da ignorância, do ignorar. Quando a gente começa a conviver, faz uma brincadeira e percebe que está errado. Já fui muito intenso nas redes, tive blog. Mas agora, com as redes sociais fervendo do jeito que estão, acho que é hora de as pessoas mais inteligentes estarem de ouvidos abertos e verem para qual caminho está indo isso. Não adianta falar nada. As pessoas sabem tudo, e eu não quero fazer parte desse time que “sabe de tudo”. Eu quero ter muitas dúvidas ainda. Vou fazer muitas burradas e peço desculpas antecipadamente. Sou educado de maneira machista e racista, vivo numa sociedade assim. Meu pai veio de uma sociedade assim, e eu lembro de ele ter piadas desse tipo. Na época dele era normal; agora não é mais. Precisamos repensar, sim.

    Sobre passado e presente, Geraldo Bulhosa, seu personagem corrupto em Filhos da Pátria, é mais atual do que nunca?

    A coisa mais brilhante do seriado é colocar uma pessoa absolutamente comum e honesta se tornando corrupta. Ele começa como um “corruptinho” até a hora em que ele se torna um “corruptão”. Por quê? Porque é muito fácil. Eu sempre me pergunto: esses caras que roubam o dinheiro da merenda das escolas, da aposentadoria dos velhinhos, da saúde, para comprar uma casa não sei onde, joia para a mulher, sei lá o quê, eles não pensam que essas pessoas estão morrendo? A própria sociedade não os trata como criminosos do mais alto risco. A gente trata o cara que entra com uma arma na nossa casa como muito mais perigoso do que esses caras. As pessoas não os enxergam como ladrões matadores de velhinhos na fila do SUS. Por isso fica fácil roubar. Um corrupto é tão absurdo quanto um estuprador de crianças. É seriíssimo. A gente tinha que parar tudo, o país inteiro.

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    Numa entrevista a CLAUDIA, em setembro de 2014, você disse que seu sonho era morrer bem gordo, numa praça, rindo, comendo doce sem culpa. Continua pensando assim?

    Continuo (risos), mas, do jeito que as coisas estão indo, acho que vou morrer de úlcera, depressivo com essa política e com essas redes sociais, onde as pessoas falam barbaridades como se fossem certezas absolutas e compartilham bestialidades como se fossem verdades. Me assusta. Infelizmente, acho que mudei, que vou estar gordo de raiva (risos) e não “felizão” de comer doce, como queria. Sinceramente, gostaria que, numa próxima entrevista, meu pessimismo seja inverso. Mas, infelizmente, acho que isso não vai acontecer.

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