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Leandra Leal: adoção, FIV e maternidade como construção diária

Junto da primogênita Julia e à espera do segundo filho, atriz ressalta que a maternidade vai além da gravidez: é um exercício diário de conexão

Por Beatriz Lourenço 
Atualizado em 11 Maio 2024, 08h23 - Publicado em 10 Maio 2024, 08h00
leandra leal e julia na capa de claudia
Leandra Leal e a filha, Julia. (Maga Maju/CLAUDIA)
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Leandra Leal é uma mulher que gesta por muitos anos. Pelo menos, é assim que define suas duas maternidades. A filha mais velha, Julia, veio depois de três anos e oito meses na fila da adoção, um processo extenso que demanda burocracias recorrentes, além de avaliações periódicas com psicólogos e assistentes sociais. O mais novo, um menino que nascerá em agosto, é fruto de inúmeras conversas com seu parceiro, o fotógrafo Guilherme Burgos, do processo de fertilização in vitro e, agora, finalmente, da gestação.

leandra leal e julia na capa de claudia
Leandra veste Blusa Maria Filó; Calça Sacada; Brinco H.Stern; Anel Swarovski. Julia veste Short saia, regata e bota Zara; Casaco Fábula; Pulseira H.Stern. (Maga Maju/CLAUDIA)

“Sou filha única e queria que a Julia tivesse irmãos. Inicialmente, engravidar não era uma vontade, mas despertei a curiosidade nos últimos anos”, diz. “Ser mãe é um processo individual de cada mulher. Nos dois casos, precisei me empenhar emocional e financeiramente.”

Para a atriz, os ingredientes essenciais na criação de um filho são a fé no desconhecido e a entrega aos mistérios da vida. Nesse sentido, ela preza por estimular a individualidade das crianças para que descubram quem são e o que querem — tarefas difíceis, mas que resultam no desenvolvimento de uma personalidade forte e um caminho cheio de realizações.

“Esse é um sentimento dúbio: quero protegê-los ao máximo, mas sei que eles vão ter experiências diferentes das minhas. Não vou conseguir controlar tudo. Por isso, para mim, ser mãe significa estar atenta à potência que cada um é”, afirma.

Leandra reforça que não quer romantizar a gestação. Primeiro, porque sabe que as mulheres são alvo de cobranças e muitas sofrem até conseguirem engravidar. E segundo, porque não quer passar a impressão de que gestar é mais especial do que adotar.

leandra leal grávida na capa de claudia
Leandra veste Vestido Anselmi; Brinco Swarovski; Anéis H.Stern (Maga Maju/CLAUDIA)
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leandra leal - ensaio Claudia 2024
Leandra veste Vestido Anselmi; Brinco Swarovski; Anéis H.Stern (Maga Maju/CLAUDIA)

Para ela, a adoção sempre a preencheu profundamente. Ela acredita, ainda, que as pessoas superestimam a gravidez. “Com a Julia, minha maternidade foi questionada várias vezes — precisei responder, apontar e questionar quando me ofendi. Agora, grávida, sinto que as pessoas valorizam muito a gravidez. É claro que gerar e parir podem fazer parte, mas ser mãe é uma construção diária.”

Com a consciência desses desafios, o que tem sentido é felicidade, realização e amor incondicional pelo membro da família que está por vir. “O momento da chegada é muito maneiro, não vejo a hora de viver isso de novo”, diz sorrindo e entusiasmada.

Por enquanto, Leandra está atenta aos sinais de seu corpo, que pede meditação, exercício físico e alimentação saudável para garantir o bem-estar. “Acho que isso tem a ver com meus 41 anos”, brinca em meio a risadas. “Viver e envelhecer é incrível. Você lida melhor com os seus sentimentos, se conhece mais e aprende a ter relações mais maduras. As coisas ficam mais leves, mais tranquilas.”

leandra leal grávida em claudia
Leandra veste Slip Dress Dress To; Braceletes e brincos H.Stern (Maga Maju/CLAUDIA)
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Leandra Leal e a criação antirracista 

Durante nossa conversa, Leandra pede licença algumas vezes para dar atenção à Julia, que estava superempolgada com os avanços nas aulas de cerâmica. “Agora, tudo o que ela quer é vender as peças que faz”, conta, orgulhosa.

De fato, é possível ver o carinho, o respeito e a paciência que tem com a filha, bem como o cuidado com as palavras quando fala com a pequena. Durante este ensaio, a troca e as brincadeiras entre as duas foram constantes — e acabaram rendendo essas belas imagens.  

leandra leal e julia - claudia
Fotos instantâneas tiradas durante o ensaio (Maga Maju/CLAUDIA)

As duas criaram a rotina de passar todas as manhãs juntas, antes de a menina ir à escola. O tempo de qualidade envolve natação e trabalhos manuais que fortalecem a criatividade. “Tento limitar ao máximo as telas, porque as redes sociais geram muita ansiedade. Quero que ela aprenda que a tecnologia é uma ferramenta de liberdade que pode ser aliada ao pensamento, mas que as redes podem aprisionar nosso raciocínio.”

Com nove anos, Juju, como é chamada pela família, não vê a hora de assumir o papel de irmã mais velha. Afinal, é ela quem vai liderar as brincadeiras da casa e apresentar suas referências ao pequeno.

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“Ela queria uma menina, mas depois ficou bem feliz de ter um irmão. Além de cuidar de quem está ao redor, ela adora organizar as coisas, então está animada”, reflete a mãe. Apesar da autoconfiança que a garota tem, Leandra estimula a autoestima da filha todos os dias, principalmente em um mundo onde as crianças negras não estão livres do racismo.

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“Gerar e parir podem fazer parte da maternidade. Mas ser mãe é uma construção diária” (Maga Maju/CLAUDIA)

Inclusive, foi por essa razão que a estrela passou a se interessar pela educação decolonial — que se fundamenta em questionar as tradicionais estruturas de poder europeias e do Norte Global e promover a pluralidade de culturas —, o que a levou a investir na primeira escola afro-brasileira do país registrada no MEC, a Maria Felipa.

O desejo de se tornar sócia da instituição começou quando Leandra levou Julia para fazer um intercâmbio de uma semana na filial de Salvador. Quando viu que a experiência foi enriquecedora para as duas, decidiu que essa era uma iniciativa com a qual gostaria de contribuir.

“A busca pela desconstrução partiu de entender o que seria melhor para minha filha e da necessidade de dar a ela ferramentas para uma existência com mais consciência, liberdade e plenitude”. Assim, decidiu colaborar com a abertura de uma nova filial da escola, no Rio de Janeiro.

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leandra leal e julia - Claudia
Leandra veste Vestido Anselmi; Scarpin Schutz; Anéis mão esquerda H.Stern; Anéis mão direita e brincos Swarovski. Julia veste Saia, regata, bota e meia Zara; Casaco Fábula; Colar e anéis H.Stern (Maga Maju/CLAUDIA)

A sede carioca, no bairro da Tijuca, está prevista para ser inaugurada no ano que vem. Idealizada pela socióloga Bárbara Carine, a instituição aposta no ensino que inverte a lógica eurocêntrica. “Isso significa também aprender a história africana e a história dos povos originários para parar de pensar com o racional do colonizador e entender outros pontos de vista”, explica.

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Leandra veste Vestido Anselmi; Scarpin Schutz; Anéis mão esquerda H.Stern; Anéis mão direita e brincos Swarovski. Julia veste Saia, regata, bota e meia Zara; Casaco Fábula; Colar e anéis H.Stern (Maga Maju/CLAUDIA)

“Tem um lugar nosso enquanto branquitude que é a necessidade de olhar para si e entender que esse tal racismo estrutural não é algo externo. A estrutura somos nós.”

Esse é um dos valores primordiais a serem passados para o filho que está chegando. A ideia é que ele lute com a irmã para garantir um mundo igualitário e justo. “Não quero que ele cresça achando que o branco é o universal. Só quando crianças brancas forem educadas sem pensar que o diferente é o outro é que elas, quando ficarem mais velhas, vão se indignar com a violência. Quero que esse menino que está chegando seja um aliado da minha filha”, diz.

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eandra veste Vestido Anselmi; Scarpin Schutz; Anéis mão esquerda H.Stern; Anéis mão direita e brincos Swarovski (Maga Maju/CLAUDIA)

Dos palcos às telas

Leandra cresceu no Teatro Rival, que era do seu avô, Américo Leal, e que completa 90 anos em 2024. Sua mãe, a renomada atriz  Ângela Leal, assumiu a direção em 1990. O local celebra a inovação artística com um palco que recebe música e peças clássicas e contemporâneas, consagrando-se como um ambiente tradicional para quem gosta de arte. Foi lá que ela adquiriu sua formação artística, viu shows de grandes nomes da música nacional e acompanhou a trajetória da primeira geração de artistas travestis do Brasil: Rogéria, Valéria, Jane di Castro, Camille K., Fujica de Holliday, Eloína, Marquesa e Brigitte de Búzios. A experiência foi tão inspiradora que lhe rendeu seu primeiro trabalho como diretora, o documentário, Divinas Divas, lançado em 2017. 

Segundo Leandra, o lugar é tão acolhedor que se assemelha à casa de vó. “Quando tinha nove anos, fui comemorar meu aniversário no show da Elza Soares. Após todo mundo ir embora, fizeram um bolinho para mim nos bastidores. Quando vi, a Elza veio e cantou parabéns. Isso foi muito marcante”, relembra com brilho no olhar. “É um espaço que preza pela diversidade e pela democracia. Por lá, criei memórias inesquecíveis. É emocionante ver a Julia brincando nos corredores como eu.”

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Leandra veste Sobretudo Animale. (Maga Maju/CLAUDIA)

A influência artística de sua mãe também moldou seu caminho. Desde os oito anos, Leandra a acompanhava nas gravações de filmes e novelas. Na versão de 1990 de Pantanal, com roteiro de Benedito Ruy Barbosa, Ângela interpretou a personagem Maria Bruaca, o que levou Leandra a estrelar seu primeiro papel na televisão: Maria Marruá, filha dos protagonistas Juma e Jove.

De lá para cá, ela se tornou um rosto conhecido e querido pelos espectadores. Fez o papel da jovem sonhadora Bianca, em O Cravo e a Rosa, e conquistou o público com a paixão e simpatia de Maria do Rosário, em Cheias de Charme, que está sendo reprisada neste momento na Globo.

Na série Justiça, que acaba de ganhar a segunda temporada no Globoplay, ela dá vida à Kellen, uma cafetina ambiciosa e inteligente que traz humor e leveza à narrativa. “Ela é diferente de mim, foi divertido fazer sua construção. Voltar a interpretá-la depois de oito anos é bonito, porque envelhecemos juntas. Acho legal ver como ela conseguiu conquistar as coisas que queria e agora já tem objetivos maiores.”

Em 2010, Leandra uniu forças às amigas Carol Benjamin e Rita Toledo para fundar sua própria produtora audiovisual, a Daza Filmes, focada em projetos capazes não só de entreter, mas também despertar reflexões. O último lançamento do grupo foi a série A Vida Pela Frente, no Globoplay, que discute temas como saúde mental e a passagem da adolescência para a fase adulta.

Agora, a produtora está em uma nova aventura: o desenvolvimento do filme Bete, uma homenagem à notável atriz Bete Mendes. “Sinto que a história dela não é tão apresentada às novas gerações como deveria. Quero mostrar que Bete foi uma das primeiras mulheres eleitas deputadas e teve uma trajetória muito importante na arte e no ativismo”, relata. 

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Leandra veste Sobretudo Animale; Brincos H.Stern; Anel Swarovski (Maga Maju/CLAUDIA)

O ano da atriz está agitado. No segundo semestre, além da chegada do novo filho, ela também lança a tragicomédia Os Enforcados, que protagoniza junto com o ator Irandhir Santos. A trama conta a história de um casal que resolve cometer um crime junto, mas acaba se enrolando e entra em várias enrascadas.

“Estou lidando com projetos em várias fases de desenvolvimento — e ainda por cima grávida!”, comenta. “Mas não há a mínima possibilidade de eu ser uma pessoa realizada sem trabalhar e me expressar através da arte.”

Mesmo com uma agenda lotada, ela segue compartilhando histórias que ecoam o profundo amor entre mãe e filha. Esse amor materno, aliás, é uma das forças motrizes em sua vida. Tanto que inspirou o longa-metragem Nada a Fazer, em fase de finalização.

A produção une as gerações de mulheres de sua família em uma jornada pela defesa da arte e da cultura. “Uma das primeiras coisas que entendi quando me tornei mãe foi a dimensão do amor que minha mãe tem por mim. Enquanto filha, você sente aquele amor gigante, mas não é a mesma coisa. O amor de mãe é que nem cachoeira, nunca acaba.” 

TEXTO: Beatriz Lourenço
FOTO: Maga Maju
STYLING: Aline Swoboda
BELEZA: Laura Peres
CABELO: Tiara Mello
Concepção visual: Catarina Moura

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