Como bom gaúcho que é, Rafael Cardoso encara um almoço à base de picanha antes de encontrar a equipe de CLAUDIA, em um intervalo de gravação de O Outro Lado do Paraíso, nos estúdios da Rede Globo, no Rio de Janeiro. “Demorei? O restaurante é perto, mas estava cheio”, diz, justificando o pequeno atraso, enquanto apaga o cigarro. “Fumo há anos”, conta, sem esboçar vontade de parar.
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O intérprete do médico Renato da novela das 21 horas chega com voz baixa e jeito tranquilão, mas é o oposto dessa primeira impressão. Aos 32 anos, ele é elétrico e vive em busca de algo para se ocupar. Principalmente dentro de casa. Para começar, adora uma obra. Tanto que, em dias de folga, põe a mão na massa para tocar a reforma de sua casa, no bairro do Itanhangá. “Sei bater cimento para fazer laje como ninguém! Já consertei o teto da sala, que estava selando, construí churrasqueira, troquei azulejos da piscina, derrubei parede… Por mim, estaria sempre fazendo uma obrinha. É como uma terapia”, conta. “Aprendi tudo com meu pai (o hoje empresário João, 59 anos) quando eu ainda era garoto e ele serralheiro.”
Criado na Vila Ipê, na periferia de Porto Alegre, Rafael lembra que construiu uma casa novinha em folha para a avó Lili, falecida no ano passado. “A dela era de madeira; eu, meu pai, parentes e amigos fomos lá, derrubamos tudo e levantamos uma de alvenaria. Fizemos, inclusive, toda a parte elétrica e os portões. Vim de uma família simples, que precisava se virar”, afirma. “Sou da favela, ou melhor, da vila. No Sul, chamamos de vila.”
Hoje ele vive em um confortável imóvel no Rio, com a mulher, a atriz Mariana Bridi, 33 anos, e a filha do casal, Aurora, 3. A segunda criança da casa já está a caminho, pois Mariana espera um menino, cujo nascimento está previsto para a partir do fim de maio. Entre o convívio familiar, as reformas e o trabalho de ator, ele encontra tempo para pintar quadros, tocar piano e fazer móveis.
“Montei uma marcenaria na garagem. Meu carro fica pegando sol e chuva, mas não tem problema”, diz. “Faço cadeira, porta, o que quiser. Ainda tenho meu ateliê e uma horta.” Empolgado, mostra no celular as fotos de antes e depois da última reforma. A sala era clarinha e ganhou paredes de cimento queimado. “Eu me inspirei nos lofts de Nova York. É um estilo meio industrial. Comprei muita coisa em ferro-velho; gosto de usar materiais recicláveis.”
Além de ser pedreiro, marceneiro, artista plástico e pianista, Rafael cozinha. E bem. É até sócio de dois restaurantes, uma pizzaria e uma marca de sucos. Começou a pegar intimidade com as panelas e o fogão no passado, graças à avó Lili. Com o tempo, aprendeu sozinho a preparar receitas mais sofisticadas. “Sempre fui de meter a cara.” A qualquer hora, o chef atende aos desejos da mulher, grávida sortuda. “Outro dia, ela quis comer sopa tailandesa, com vagem, cogumelo, pimenta chinesa… Não tinha nada na despensa; fui ao supermercado e preparei”, lembra Rafael, casado desde 2008.
Para manter os laços fortes, ele diz não ter receita, mas dá uma dica. “Em um relacionamento, acho que você deve procurar enxergar mais as qualidades que os defeitos do outro. Defeito, afinal, todo mundo tem”, simplifica.
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Com a família crescendo, sonha em se mudar um dia para uma fazenda “bem longe”. Há um ano, comprou uma propriedade, onde planta alimentos orgânicos para consumo próprio e para abastecer seus restaurantes. “Quero ir para o meio do mato com a Mariana e as crianças e ter qualidade de vida”, planeja, cogitando até algo no exterior. “Infelizmente, não vejo saída nem a longo prazo. Com essa política? Com essa violência? A vontade tornou-se mais urgente depois do nascimento da Aurora. A gente vive com medo.”
A paternidade, confessa, o deixou mais temeroso. “Era livre, não tinha medo de nada. Agora, penso duas vezes antes de fazer algo. Andava de moto para cima e para baixo, sou apaixonado por essas máquinas. Hoje só ando de vez em quando. Gostava de saltar de paraquedas, descer o (bairro) Alto da Boa Vista de skate, fazendo aquelas curvas sem aparato, e pegar onda com mar agitado. Não faço mais nada disso.”
Rafael já quis ser jogador de futebol. Com 7 anos, deu os primeiros chutes na categoria infantil. Foi de clubes como Grêmio, Internacional e Novo Hamburgo. Após entrar para um curso de teatro, dos 15 para os 16, pendurou as chuteiras. A vida deu uma guinada.
“Na hora de subir para a categoria juniores e ganhar dinheiro, conheci a arte e mudei de ideia. Gostei mais de estar no palco que no campo”, lembra. “E passei a ler. Não tinha esse hábito. Trabalhei com meu pai; a gente era ferrado de grana, não sobrava tempo. No teatro, descobri Lacan (Jacques Lacan, psicanalista francês que viveu de 1901 a 1981) e Nietzsche (Friedrich Nietzsche, filósofo alemão do século 19). Que mundo é esse que nem sabia que existia? Ali, vi que não tinha volta.”
Dono de um belo par de olhos azuis, esse torcedor do Grêmio buscou aulas de interpretação quando começou a ter algum lucro com campanhas publicitárias. “Percebi que não me convidavam para gravar comerciais com falas. Eu ficava muito nervoso. Depois, passei a ser chamado para vários, um atrás do outro.” Com o primeiro cachê, comprou um videogame para ele e uma jaqueta de presente para o pai. “Está passando agora um filme daquela época pela minha cabeça.”
Aos 19 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, passando a integrar a Oficina de Atores da Rede Globo. A estreia na emissora foi em Beleza Pura, em 2008. Já o primeiro sucesso no horário nobre veio em 2014, com Império. Hoje, enquanto brilha em mais uma novela das 21 horas, aponta a importância de as tramas abordarem questões como as que Walcyr Carrasco vem mostrando em O Outro Lado do Paraíso: violência contra a mulher, racismo, preconceito contra pessoas com nanismo…
O galã discorda que o autor esteja “pesando a mão”. O primeiro grupo de discussão (pesquisa encomendada pela emissora para avaliar o enredo) clamou por “mais leveza”. “A gente vive em um país em guerra social e parece que esses conflitos estão sendo encarados com naturalidade. A novela anterior (A Força do Querer) falou de tráfico de drogas e ninguém achou pesado. As mulheres não continuam apanhando? Não há preconceito? Claro que sim! Acho superimportante o lado social da novela.”
Rafael, que já foi casado na novela com a personagem de Grazi Massafera, uma referência em beleza, chegou a gravar cenas quentes com ela, mas manifesta zero tietagem. Fala que os dois se conhecem “há anos”. Foram da mesma turma na Oficina de Atores, em 2005. Admite, porém, que tremeu na base ao contracenar com Fernanda Montenegro. “Pensei: ‘Não posso errar o texto de jeito nenhum’. Senti o maior frio na barriga.”
Rafael também interpreta um médico no longa-metragem O Rastro, do ano passado. O gênero terror não é tão comum na produção nacional, o que o deixou particularmente empolgado. “Quando a Mariana viu, escondeu o rosto em algumas cenas. Ficou com medo”, diverte-se. “Quero estar em mais filmes e produzir. Como empresário, apesar da crise, consigo criar ferramentas, ou seja, dinheiro para fazer o que quero.”
Colega de elenco em O Rastro, Leandra Leal frisa uma característica de Rafael, de quem foi par romântico em Império. “É um cara superfamília.” Mas o ator avisa que sua família não é nada tradicional. “Não batizamos a Aurora, por exemplo. Não vejo necessidade desse tipo de formalidade nem de casar na igreja.
Tenho várias religiões e me guio mais pelo sentido da palavra (do latim, religare). Precisamos nos religar à energia positiva… Pode ser Buda, Jesus, Krishna, orixás. Se for do bem, está valendo. E acredito na lei do retorno. A colheita é certa. Quer colher batatas? Tem que plantar batatas.”
Atualmente, a rotina de Rafael começa por volta das 6 horas. Ele adora preparar o café da manhã da filha, Aurora, com muito suco verde, de beterraba, de melão… E ela nunca faz cara feia. “O jeito que encontrei para que ela bebesse achando tudo gostoso foi colocá-la comigo na cozinha e dar uma faquinha sem ponta para ela cortar frutas. Virou uma atividade legal.” O ator baba quando fala da primogênita.
“Ela é amorosa, carinhosa… E me ensina muito. Tem um olhar novo, de encantamento com tudo. Outro dia, fiz fantoches com uma sacola plástica e ela adorou”, conta Rafael, que providenciou uniforme do Grêmio para o filho a caminho. Aurora já tinha o dela, claro. Ele diz que está radiante por ser pai pela segunda vez, mas nunca dá bola para o sexo do bebê. “Torço apenas para que venha com saúde.”
Antes de pegar no batente, o ator e empresário faz questão de se exercitar. “Surfo, corro na praia, nado, pratico stand-up paddle… Preciso fazer algo diferente para não cair na rotina.” O também ator José Loreto é seu vizinho e os dois malham juntos às vezes – cada um tem uma pequena academia em casa. José Loreto entrega: “Ele é um touro!”.
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Quando a novela acabar, Rafael já sabe o próximo passo. Sair de férias? Não, raspar a cabeça. “Desde moleque, é como gosto de ficar. Acho que era por causa do futebol; não queria ter cabelo caindo no olho. Com 12 anos, raspei na casa de um amigo. Meus pais enlouqueceram”, recorda-se. “Já a barba, prefiro manter. Se tirar, fico com cara de menino.” Rafael amadureceu cedo. Aos 11, viu a mãe, Rose, morrer de câncer no pâncreas.
“Ela tinha 32 anos, minha idade atual, quando faleceu. Era novinha”, lamenta. “Foi um choque, que me transformou em adulto de forma rápida.” Com o celular na mão quase o tempo todo durante a entrevista, ele causa espanto ao revelar que não usa WhatsApp nem é viciado em Facebook, Instagram, nada. “Não quero essa loucura para minha vida”, decreta. “Cheguei a ter WhatsApp, mas não dá. Vivia pedindo desculpa por visualizar as mensagens, mas não conseguir responder. De verdade, eu me nego a fazer parte disso.” Talvez esteja aí o segredo para realizar tanta coisa boa ao mesmo tempo.