Vaneza Oliveira, de ‘3%’, sobre culpa materna: “Você se sente um lixo”
Em uma conversa com o MdeMulher, a atriz conta como foi engravidar aos 16 anos e abre o jogo sobre sua relação com a filha Emily.
“Foi bater muito a cabeça. Errar muito, muito, muito mesmo”. Foi assim que Vaneza Oliveira, a Joana da série “3%”, descreveu o processo de reconhecer as obrigações de adulta com as demandas que surgem ao se tornar mãe. Atualmente, a filha da atriz, Emily, tem 13 anos e já está na oitava série.
A atriz lembra de comemorar o aniversário de 17 anos grávida, mas a descoberta mesmo aconteceu aos 16. Hoje, ela recorda com humor que chegou a pensar que ter um filho era como brincar de boneca, mas logo percebeu que a realidade não seria simples assim.
“Minha mãe super me apoiou, já de cara, entendendo o quanto ia ser difícil os nove meses de gravidez, mas o meu pai ficou mais triste, diria até decepcionado. Ele não imaginava que eu fosse ser mais uma menina que ficaria grávida na adolescência”, revela a atriz.
Vaneza também recorda-se que os conflitos foram intensificados por conta da diferença do que era esperado dela (e ainda é!) e daquilo que a sociedade esperava do pai de Emily.
“A gente vive em uma sociedade muito machista em que a responsabilidade é toda para a mãe. Ele era um menino que tinha sonhos, mas eu também. Só que os meus já ficam meio colocados de que eu tenho que interrompê-los, ele não. A sociedade dá toda liberdade para ele, para fazer faculdade, para fazer o que quiser fazer da vida dele, enquanto eu, qualquer decisão que eu tome, tenho que ficar com 100% na responsabilidade de uma criança, de um ser humano”, desabafa a artista. Os conflitos raciais também contribuíram para o “caos” – como a própria atriz define – da relação com a figura paterna da primogênita, pois ele e a família são brancos.
O preconceito contra as mães
Quando Emily fez um ano, Vaneza começou a procurar por emprego e optou por ir até uma empresa que auxiliava nessa busca. Em um cenário nada acolhedor nos processos seletivos, a atriz viveu duas situações preconceituosas e constrangedoras durante as entrevistas.
A primeira delas aconteceu no próprio local de ajuda a pessoas desempregadas. Durante o cadastramento, o atendente questionou se Vaneza tinha filhos. Ao responder que sim, ela foi logo questionada sobre onde estava o pai da Emily. Já na segunda, foi interrogada sobre o que ela faria com a filha para participar da escola de teatro famosa que a estava entrevistando.
“Você é lembrada o tempo todo da sua responsabilidade como mãe e isso é muito difícil quando você quer pensar na faculdade, no trabalho, em viagens, ou em uma balada, ou namorar outras pessoas”, explica a atriz.
Por isso, Vaneza foi enfática sobre a importância de ter uma rede de apoio e não só familiar. “Eu não conseguiria ser atriz se eu não tivesse minha rede de apoio, que é meu pai, minha mãe, meu irmão, meu primo. […] A sociedade tem que se assumir participativa na criação desse ser humano que eu tive também. Porque quando ele faz alguma coisa errada, a sociedade cobra dele”.
A culpa machuca
Só que a sociedade não exige apenas do filho. A atriz também é o exemplo claro de como a pressão social sobre as mães machuca e traz culpa. Durante a conversa que teve com o MdeMulher, num primeiro momento ela enfatiza que errou mais do que poderia com Emily, mas logo depois repensa e diz com muita clareza que esse seu discurso também é um reflexo das exigências que começaram muito cedo.
“Eu errei mais do que eu poderia ter acertado. Ou, na verdade, pior: eu acho que eu me machuquei mais por ter errado. Me culpei mais pelos erros, porque eu não tinha a oportunidade de dizer para mim mesma: ‘eu sou nova e posso escolher outras coisas’.”, explica a atriz.
A punição consigo mesma é tão grande que Vaneza usa palavras claras para falar sobre a dificuldade de andar nessa corda bamba do erro e acerto. “Você fica se sentindo um lixo por muito tempo até conseguir criar coragem para tomar uma outra decisão e torcer para ser a certa. Porque se for a errada de novo, você vai sofrer mais”.
Entretanto, a prática nem sempre é fácil como a teoria prevê. Além de ter apanhado durante a infância, Vaneza ouviu constantemente da mãe que ela deveria engolir o choro em situações difíceis. Ainda que essas atitudes soem controversas atualmente, a atriz explica como elas são resquícios da escravidão no Brasil.
“A gente tem um histórico em que nossos antepassados não se permitiam ter uma relação de afeto e carinho por alguém que poderia ser vendido a qualquer momento”.
Uma saída que Vaneza encontrou para esse conflito nas diretrizes da educação foi tentar enxergar a maternidade como uma verdadeira troca entre uma pessoa cheia de experiências e outra que está aprendendo a viver. “Tem horas que eu olho e falo assim: ‘será que filho é essa coisa de posse mesmo?’. Porque tem horas que eu olho e vejo que eu tenho uma parceirona. Uma parceira que eu viro e falo: ‘olha, hoje eu vou fazer o almoço, então, você vai lavar a louça’. […] Ela é minha filha, claro, eu estou aqui, vou defendê-la, acho que tem o instinto de mãe que é impossível de sair. Mas a cada dia que passa eu fico pensando que eu só estou ensinando um ser humano a viver. Uma mulher a viver”.
A educação sexual também é uma preocupação de Vaneza como mãe. Além de falar sobre prevenção, a atriz também faz questão de ensinar à filha que é ela quem deve decidir as experiências que quer ter – seja com homens ou mulheres. Vaneza acredita que é dessa forma que Emily conseguirá ter tudo bem resolvido dentro dela e, com isso, sofrer menos com o julgamento das pessoas.
Filho também ensina!
Mesmo com a tarefa árdua de ensinar, a atriz também tem compreendido as circunstâncias de uma forma diferente com a filha. “O principal que eu tenho aprendido é relembrar como eu comecei a ver o mundo para além da casa dos meus pais, para além do mundo que a minha família colocava de fato”, enfatiza Vaneza ao comparar que descobriu como andar de metrô apenas aos 18 anos, enquanto Emily já sabe fazer isso perfeitamente aos 13.
Uma educação diferente da qual recebeu
Entre tantos ensinamentos que a atriz busca passar para Emily, o principal deles é a educação emocional. Com essa preocupação, o foco dela é mostrar para a filha que as emoções não são ruins, mesmo quando elas envolvem choro, frustração e até mesmo raiva.
“O que eu tento com a minha filha é [dizer] que ela poder chorar, sabe? Já teve situações dela ficar muito triste e eu, tipo, ‘Ok, agora a gente vai ficar aqui só chorando por causa disso’. E depois a gente senta e conversa e, às vezes, ela mesma passa a refletir”.