Um roteiro descomplicado por Reykjavik, capital da Islândia
Passear pelas ruas da capital da Islândia é um encontrar-se e perder-se entre construções magníficas e singelos achados
Pode parecer estranho, um tanto quanto curioso, descrever um destino pelo barulho (ou a falta dele), mas não consigo pensar em maneira mais acolhedora de guiar essa imersão pelas ruas de Reykjavik que não seja pelos ouvidos. A capital da Islândia é como uma concha, um estúdio controlado, um silêncio absoluto que rasga vez ou outra pelas correntes de vento (frias e assíduas) que circulam ou pelo som das ondas. É como estar dentro de um filme de Ingmar Berg – man e em uma utopia social ao mesmo tempo: linda, intensa, funcional.
A viagem aconteceu no final de fevereiro, pense no contraste térmico. Aqui, corpos eufóricos derretendo em Carnaval; lá, um frio ameno de até 7°C, maquiado pelos dias de sol e poucas nuvens no céu. Fui, acompanhada de Annie Ernaux e Natalia Ginzburg na mala, junto com os casacos, é claro, sem saber muito bem o que viria a encontrar no meio do Atlântico Norte — o trajeto de avião é via Londres e, de lá, mais um voo de pouco mais de duas horas. Logo de cara, é possível perceber a paisagem rochosa, totalmente distinta da que estamos acostumados no Brasil.
O destino é bastante comum para quem gosta de natureza e dos esportes outdoor. Montanhas, vulcões, lagos, cachoeiras, cavernas de gelo, spas termais e a famosa aurora boreal estão entre os atrativos turísticos em que o país se finca nas altas temporadas. É também lugar de música, literatura, arte e arquitetura. Já visitei muitos lugares, e, até agora, não encontrei nada que se equipare a magnitude tectônica da Islândia. Minha estadia por lá, porém, se resumiu a beleza quase bucólica de sua capital. Talvez um sinal que deva voltar (tenho a certeza que sim)
Reykjavik tem uma organização urbana que nos permite circular a pé sem grandes dificuldades ou cansaço — algo que adoro fazer em viagens. Fiquei hospedada no Kvosin (ou Centro, em português), bairro com mix de lojas — a poucas quadras do hotel Radisson Blu, é possível encontrar marcas internacionais — e restaurantes. Pude experimentar a sopa de carne de cordeiro do restaurante Fjallkonan (receita da avó do chef), as cervejas nacionais no badaladinho Sæta Svínið Gastropub, uma pizza estilo napolitana no Pizza Popolare, dentro do Posthus Food Hall, e um hambúrguer na tradicional Tommi ’s Burger Joint (em dias e refeições diferentes, vale dizer, já que as porções são muito — ênfase — bem servidas).
Inclua no passeio o Reykjavik Art Museum Hafnarhús: dentro de uma construção brutalista, ele tem curadoria contemporânea, dando ênfase para nomes locais ou artistas que fizeram passagem e homenagearam a Islândia em suas criações — inclusive na lojinha. Não perca de vista também o Harpa Concert Hall. Entre a cidade e as águas, o prédio projetado pelo artista islandês-dinamarquês Olafur Eliasson, em parceria com o escritório Henning Larsen Architects, abraça shows, concertos, óperas e balé. Me senti pequenina em meio às escamas de vidro que te permitem ver a vida lá fora acontecer.
Saindo, siga pela calçada da avenida Sæbraut, admirando as águas gélidas ladeadas por pequenas pedras, e você encontrará outro marco da cidade: a Sun Voyager, escultura de Jón Gunnar Árnason que homenageia a vida marítima e as embarcações, e reverencia o sol. Aproveite o passo animado para subir a rua Frakkastígur (com parada obrigatória na padaria artesanal Brauð & Co). No trajeto, a famosa igreja Hallgrímskirkja dá as caras entre as casas coloridas que formam tanto as zonas residenciais quanto os comércios. A construção não é antiga, como acontece em boa parte da Europa. O projeto foi comissionado ao arquiteto Guðjón Samúelsson em 1937 e foi consagrada em 1986. Seu interior é tão majestoso quanto a área externa, misturando o sagrado luterano com o ancestral da cultura viking — aliás, ali perto, nos jardins do Einar Jónsson Museum, é possível encontrar esculturas interessantíssimas que mesclam referências das mais diversas mitologias (nunca vi nada igual).
Depois, uma caminhada pela Skólavörðustígur, rua recheada de cafés, lojas de souvenirs, marcas de roupa e acessórios islandeses, se faz perfeita para você ter aquele momento de compras (conscientes) e levar uma lembrança para a casa. Me encantei pela 12 Tónar, que nasceu como uma loja de discos, em 1998, mas, em 2003, também se tornou um selo musical, fomentando artistas islandeses na cena — inclua aí a vencedora do Oscar Hildur Guðnadóttir (ela fez, entre tantas coisas, a trilha sonora de Coringa), o compositor Jóhann Jóhannsson e o pianista Víkingur Ólafsson. Inevitavelmente, também fui tomada pelos sebos e livrarias no mesmo bairro, para, então, finalizar a tarde no cosmopolita Mat Bar, com ótima carta de drinks e menu rico.
Posso dizer que fui acolhida de todas as formas, das pessoas ao meticuloso silêncio com barulho de mar.