Expostas à precariedade, mulheres grávidas precisam dar à luz sob condições desumanas no Afeganistão desde que o Talibã assumiu o poder da nação. Nos hospitais e maternidades falta energia, ventilação, medicamentos, alimentação e combustíveis para as ambulâncias e geradores.
Em entrevista à BBC, Rabia, que havia parido recentemente em um pequeno hospital na província de Nangarhar, no leste do Afeganistão, confessou que dos três partos pelos quais ela já passou, este último foi o mais difícil. “Foi horrível”, disse.
A gestante não recebeu alimentação nem remédios. Comumente fornecidos por outros países antes do congelamento da ajuda estrangeira, a medicação agora só está disponível para compra.
Abida, a parteira de Rabia, relatou que, no hospital, por falta de ventilação artificial, a temperatura dentro do estabelecimento chegava a 43°C. A energia havia sido cortada e, por falta de combustível, os geradores não podiam ser acionados. No escuro, a profissional teve que realizar o parto com o auxílio da lanterna de um celular.
“Foi uma das piores experiências que já tive no meu trabalho. Foi muito doloroso. Mas esta é a nossa história de todas as noites e todos os dias no hospital desde que o Talibã assumiu o poder”, afirmou Abida.
O cenário muito se assemelha ao de 20 anos atrás, antes da invasão das tropas dos Estados Unidos. Após a tomada, houve uma melhora significativa no atendimento materno e neonatal, no entanto, o progresso vem se desfazendo rapidamente.
Em um país que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), tem uma das piores taxas de mortalidade materna e infantil do mundo, expor as mães e os seus bebês a essas realidades é contribuir para que os números sejam cada vez mais crescentes.
Atualmente, a cada 100 mil nascidos vivos, em média, 638 mulheres morrem no parto. Apesar do número já alarmante, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) estima que, sem apoio imediato para mulheres e meninas, podem haver 51 mil óbitos maternos adicionais, além de 4,8 milhões de gestações indesejadas.
“As unidades de saúde primárias em todo o Afeganistão estão entrando em colapso. As taxas de mortalidade materna e infantil vão aumentar, infelizmente”, ressentiu o chefe de saúde pública do Afeganistão Wahid Majrooh.
Restrições
Além dos problemas de abastecimento, as restrições do Talibã às mulheres estão sendo ainda mais prejudiciais ao já frágil sistema de saúde do país. Hospitais e clínicas estão sendo obrigados a permitir que apenas mulheres atendam pacientes do sexo feminino. No entanto, tanto as profissionais como as pacientes só podem trabalhar ou comparecer ao centro médico companhadas de algum parente do sexo masculino.
Sob tais medidas controladoras prevê-se que muitas mulheres não comparecerão a exames importantes durante a gravidez. Da mesma forma, muitas trabalhadoras de saúde não irão trabalhar.
Nas clínicas, médicos e enfermeiros homens só podem realizar o atendimento de uma mulher na presença de duas ou mais pessoas, caso contrário, é exposto a agressões ou repreensões mais severas.
Somada à realidade da Covid-19, que ainda resulta em números crescentes de contágio e óbito no país, o cenário é de terror e falta esperança.
“A situação está piorando a cada dia que passa”, disse Abida, que agora desempenha suas funções de parteira com uma sensação de desesperança. “Ninguém sabe o que será de nós.”