Atualmente, todas as mulheres vítimas de estupro no Brasil têm a opção do aborto garantida por lei e sem necessidade de comprovação material do crime. Entretanto, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) protocolou um projeto de lei nesta quinta-feira (4) para tornar obrigatória a apresentação do boletim de ocorrência com exame de corpo de delito, que comprove o estupro, para a realização do aborto.
Sancionada em 1º de agosto de 2013, a lei 12 845, cuja a congressista deseja alterar com seu projeto, exige que hospitais ofereceram “às vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, visando ao controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social”, aponta o primeiro artigo.
Segundo O Globo, a deputada entende que a ausência do documento de comprovação do crime abre “uma abertura maior para pessoas adeptas à ideologia do aborto como, por exemplo, mulheres que não são vítimas de violência sexual, mas procuram o atendimento do SUS para interromper a gravidez indesejada.”
Em outubro de 2020, o 14ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelou que, em 2019, a cada 8 minutos uma pessoa foi estuprada no país, sendo que 85,7% se identificava com o sexo feminino. O levantamento ainda confirma que em 84,1% dos casos o agressor é familiar ou conhecido da vítima.
Juliana Valente, advogada especialista em atendimento à mulher em situação de violência e membra da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, lembra que o presidente Jair Bolsonaro, que tem Carla Zambelli como aliada e ex-companheira de partido, também buscou uma mudança na mesma lei. “Quando era deputado, Bolsonaro propôs um projeto de lei para revogar a lei 12 845. A justificativa dele era de que a lei tinha como objetivo preparar o cenário político e jurídico para a completa legalização do aborto no Brasil”, diz Juliana. Na época, o projeto foi arquivado.
O Código Penal prevê que o crime de estupro consiste em “constranger alguém mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Portanto, a advogada ressalta que não é necessário que haja lesão para que uma agressão sexual seja considerada estupro pela Justiça.
“Logo, o projeto de lei desconsidera a tipificação completa do crime de estupro no código penal. O exame de corpo de delito não é determinante para casos de estupros, pois há muitos que não deixam vestígios ou eles podem desaparecer rapidamente antes do exame”, aponta.
Sobre os danos psicológicos que acometem as vítimas de violência sexual, a advogada elenca as condições que estão por trás das subnotificações, que na sua opinião são desconsideradas pela parlamentar. “Já não é fácil romper o silêncio por medo, vergonha, culpa, entre outros motivos. Além disso, agentes públicos da polícia e do judiciário reproduzem estereótipos em ambientes que deveriam ser acolhedores para essas mulheres. Esse projeto de lei é mais um entrave e desconsidera a dificuldade da vítima em relatar uma violência sexual às autoridades.”
Para a profissional, a proposta da congressista é mais um impacto da politização dos direitos, enfraquecendo o jogo democrático e vínculo com instituições e dados de pesquisas.
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