Luis Felipe Manvailer, acusado de matar a esposa Tatiane Spitzner em julho de 2018, foi condenado a 31 anos, 9 meses e 18 dias de prisão pelo crime de homicídio qualificado, nesta segunda-feira (10), em Guarapuava, no Paraná. Após uma semana, o veredito do júri popular foi dado pelo juiz Adriano Scussiato Eyng.
Em uma fala histórica, na qual foi ressaltada a vida de Maria da Penha, nomes de vítimas de feminicídio, como Ângela Diniz e Eloá Cristina, o juiz apontou Luis Felipe como condenado nas qualificadoras de feminicídio por asfixia e fraude processual.
Para a advogada Samira Pereira, integrante da Comissão da Advocacia Criminal da Associação Brasileira de Advogados do Rio Grande do Sul e criadora do método Identifique, Proteja-se, Elimine e Supere o Relacionamento Abusivo (IPES), a justificativa da pena reflete o início de uma mudança do poder judiciário diante dos crimes de violência contra mulher.
“A defesa utilizou como tese que a Tatiane tinha problemas psicológicos e psiquiátricos. A ideia era dar um caráter negativo a isso para tentar garantir o que chamamos de privilégio dentro de um julgamento de feminicídio ou homicídio”, contextualiza Samira, que lembra a experiência do advogado Claudio Dalledone Jr, neste tipo de crime, tendo em vista que o mesmo foi responsável pela defesa do goleiro Bruno Fernandes.
Entretanto, o juiz usou o argumento do advogado como agravante para a pena, já que, segundo o magistrado, Luis cometeu crime ciente desse possível quadro de saúde mental da vítima.
“Ele ainda citou o ciclo da violência doméstica, apontou a importância de Maria da Penha, apresentou dados sobre o problema no Paraná e afirmou o quanto é difícil para a vítima com medo sair desse ciclo de violência psicológica”, diz Samira sobre o juiz Adriano Scussiato.
A advogada também ressalta a importância da justificativa da tese abordar as trocas de mensagens entre Tatiane e amigas, que acompanharam o julgamento do lado de fora. “Ele considerou que a frase da vítima ‘minha vida era um inferno’ carregava um teor de que a mesma sofria violência psicológica. Com tudo isso, o juiz trouxe nitidez para os homens ali presentes e mostrou que o Estado reconhece que mulheres são mortas vítimas de relacionamentos abusivos, que é uma violência silenciosa”, comenta.
Adriano Scussiato ainda compartilhou um traço que contribui para o mascaramento desse tipo de violência: pessoas vistas como perfeitas, que são considerados bons pais e maridos.
Além dos mais de 30 anos de prisão, o condenado terá que indenizar os pais da vítima por danos morais com a quantia de 100 mil reais. De acordo com a decisão, Manvailer, que está preso na Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG) há dois anos e nove meses, não terá o direito de recorrer em liberdade.
Agressão durante plenário
Durante a apresentação da defesa, o advogado Claudio Dalledone Jr protagonizou uma cena de agressão desproporcional e incabível para reproduzir um possível episódio de violência entre o casal na noite do crime. Claudio pressionou o pescoço de uma mulher e a derrubou durante a encenação.
Samira aponta que o recurso retórico é comum durante um júri para a defesa tentar proteger o acusado. Entretanto, segundo a advogada, Claudio praticou uma lesão corporal leve contra uma mulher em um ambiente de plenário de júri. “O ato foi feito sob os olhos do poder judiciário para mostrar uma tese de defesa de um acusado de feminicídio. Um dos princípios de um advogado de tribunal de júri é o respeito pela vítima e pela família. Além de ultrapassar o limite da retórica, ele também ultrapassou o limite desse contato corporal”, diz a especialista.
Júri composto apenas por homens
O júri do caso foi composto exclusivamente por mulheres, já que a defesa de Luis Felipe pediu a exclusão de três mulheres convocadas, sendo que apenas uma teve o motivo divulgado. O advogado do acusado afirmou que a participante tinha expressado apoio à vítima pelas redes sociais.
O recurso é frequente por parte da defesa em casos de feminicídio, de acordo com Samira. “O acusado tem o direito a três recusas sem precisar motivar, assim como o Ministério Público. Eles procuraram motivos, como interação nas redes sociais, porque provavelmente já tinham a lista. Isso acontece, porque infelizmente não temos uma lei que exija cota de gênero no tribunal do júri”, salienta a advogada.
Relembre o caso
Na madrugada do dia 22 de julho de 2018, a advogada foi encontrada morta no prédio em que vivia com o marido, professor de biologia. Os dois eram casados desde 2013 e não tinha filhos.
Pelas câmeras do condômino, é possível ver o réu agredindo a vítima no elevador. Em seguida, a Polícia Militar recebeu um chamado informando que uma mulher teria pulado ou sido arremessada do 4º andar do prédio. Segundo testemunhas, o acusado carregou o corpo de Tatiane de volta para o apartamento.
De acordo com o laudo do exame de necropsia do Instituto Médico-Legal (IML), a advogada morreu por asfixia mecânica em decorrência de esganadura e com sinais de crueldade.
Luis Felipe fugiu do local após a morte da esposa, mas foi preso no mesmo dia após o envolvimento em um acidente na rodovia BR-277, em São Miguel do Iguaçu, o que fez com que ele se tornasse réu pelos crimes de homicídio com as qualificadoras de asfixia mecânica, dificultar defesa da vítima, motivo torpe e feminicídio; além de cárcere privado e fraude processual.
Ainda assim, Felipe nunca confirmou que teria matado a advogada. No julgamento, que foi adiado duas vezes após pedidos de sua defesa, ele confirmou apenas as agressões.
Após o resultado, a defesa segue com esse posicionamento de não confirmar a autoria do crime. O veredito, para o advogado de Luis Felipe, é “manifestamente contrário às provas dos autos”, por isso eles devem recorrer e pedir a anulação do júri.