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“Como não existe racismo no Brasil?”

Em livro, jornalista e mestre em educação traz relatos de mulheres negras e avisa: "Não só existe racismo no Brasil como ele é escancarado"

Por Liliane Prata
Atualizado em 11 abr 2024, 17h58 - Publicado em 11 nov 2015, 17h45
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  • Bianca Santana, jornalista, professora da faculdade Cásper Libero e mestre em educação, está lançando o livro Quando me Descobri Negra (Sesi-SP). Entre textos biográficos e depoimentos que colheu, a autora aborda a realidade das mulheres negras no Brasil. “Quando a gente vê a repercussão do caso Maju e da Taís Araújo (que foram vítimas de mensagens preconceituosas nas redes sociais), fica evidente que o racismo existe sim no nosso país e de forma escancarada”, afirma Bianca. “É comum pensar: ‘Ah, o Brasil é uma democracia racial, todo mundo de todas as cores convive bem’. Não, não somos uma democracia racial e o racismo não é ‘sutil’ ou ‘velado’. Basta olhar para os indicativos sociais: existe, isso sim, um racismo evidente, que permeia nossas estruturas sociais. E, para as mulheres negras, o cenário é ainda mais difícil. Muitos acabam opinando sobre racismo sem entender direito do que se trata. Admitir que o racismo existe e falar sobre isso é o primeiro passo para combatê-lo.”

    Alguns indicativos sociais

    Leia um dos relatos do livro

    Tenho 30 anos, mas sou negra há apenas dez. Antes, era morena. Minha cor era praticamente travessura do sol. Era morena para as professoras do colégio católico, para os coleguinhas – que talvez não tomassem tanto sol – e para toda a família que nunca gostou do assunto. “Mas a vó não é descendente de escravos?”, eu insistia em perguntar. “E de índio e português também”, era o máximo que respondiam. Eu até achava bonito ser tão brasileira. Talvez por isso aceitasse o fim da conversa.

    Em agosto de 2004, quando fui fazer uma reportagem na Câmara Municipal, passei pela rua Riachuelo, onde vi a placa “Educafro”. Já tinha ouvido falar sobre o cursinho comunitário, mas não conhecia muito bem a proposta. Entrei. O coordenador pedagógico me explicou a metodologia de ensino com a cumplicidade de quem olha um parente próximo. Quando me ofereci para dar aulas, seus olhos brilharam. Ouvi que, como a maioria dos professores eram brancos, eu seria uma boa referência para os estudantes negros. Eles veriam em mim, estudante da Universi-dade de São Paulo e da Faculdade Cásper Líbero, que há espaço para o negro em boas faculdades.

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    Saí sem entender muito bem o que tinha ouvido. Fui até a Câmara dos Vereadores, fiz a entrevista e segui minha rotina. Comecei a reparar que nos lugares que frequento as pessoas também não tomam tanto sol. O professor do Educafro toma. Será por isso que ele me tratou com tanta cumplicidade?

    Pensei muito e por muito tempo. Não identifiquei nada de africano nos costumes da minha família. Concluí que a ascensão social tinha clareado nossa identidade. Óbvio que somos negros. Se nossa pele não é tão escura, nossos traços e cabelos revelam nossa etnia. Minha mãe, economista, funcionária de uma grande empresa, foi branqueada como os mulatos que no século XIX passavam pó de arroz no rosto porque os clubes não aceitavam negros.

    Eu fui branqueada em casa, na escola, no cursinho e na universidade. É como disse Francisco Weffort: o branqueamento apaga as glórias dos negros, a memória dos líderes que poderiam sugerir caminhos diferentes daquele da humilhação cotidiana, especialmente para os pobres. Ainda em busca de identidade, afirmo com alegria que sou negra há dez anos. E agradeço ao professor do Educafro que pela primeira vez, em 21 anos, fez o convite para a reflexão profunda sobre minhas origens.

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