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Entenda o Estatuto do Nascituro, que quer acabar com o aborto

Câmara dos Deputados adiou, mais uma vez, votação do PL que pretende criminalizar as mulheres que interrompem a gestação

Por Joana Oliveira
Atualizado em 15 dez 2022, 15h42 - Publicado em 15 dez 2022, 15h33
Ativistas vão às ruas do centro do Rio de Janeiro em marcha pela legalização do aborto na América Latina.
Ativistas vão às ruas do centro do Rio de Janeiro em marcha pela legalização do aborto na América Latina. (Fernando Frazão/Agência Brasil)
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A votação do Projeto de Lei 478, de 2007, marcada para acontecer nesta quarta-feira na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, na Câmara dos Deputados, foi adiada mais uma vez. Conhecido como Estatuto do Nascituro, esse PL, que tramita há 15 anos e sempre volta ao debate a pedido de parlamentares conservadores, pretende proibir e criminalizar o aborto no Brasil, inclusive nos casos previstos pelo código Penal quando a gravidez é fruto de estupro ou quando há risco de vida para a gestante e pelo Supremo Tribunal Federal quando o feto é anencéfalo.

De autoria da deputada Chris Tonietto (PSL/RJ), o Estatuto do Nascituro é apoiado por parlamentares conservadores que defendem que o feto, mesmo antes de nascer, tem direitos civis, incluindo o “direito à vida, à saúde, ao desenvolvimento e à integridade física”. Já os opositores, incluindo parlamentares contrários e entidades ativistas pelos direitos das mulheres no Brasil, denunciam que o PL viola a Constituição Federal, que garante direitos reprodutivos das mulheres. 

O que é o Estatuto do Nascituro

Para entender o Estatuto do Nascituro, é preciso saber que essa palavra é, simplesmente, um sinônimo de “feto”, como explica Isabela Guimarães, advogada da Rede Feminista de Juristas e uma das coordenadoras do #MeToo Brasil. “Nascituro não é uma palavra técnica do campo da saúde, o termo correto, usado por médicos, cientistas e demais profissionais é ‘feto’.” O PL prevê, então, que o feto tenha personalidade jurídica, ou seja, tenha direitos como pessoa. “A proposta trata o feto como um ser autônomo, e não como um ser que está dentro do corpo de uma mulher. É um PL inconstitucional, na medida em que o STF já reconhece que só existe personalidade jurídica nas pessoas que nascem vivas. Não há personalidade jurídica para alguém que não existe”, explica Isabela.

O PL 478/2007 considera que os “indivíduos concebidos in vitro“, mesmo antes de serem transferidos para o útero, tenham as mesmas garantias de direito à vida. Isso contraria o fato de que procedimentos de fertilização podem exigir o descarte de embriões. O próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) atualizou, em setembro, as regras para a reprodução assistida no Brasil, determinando que esse material pode ser descartado sem necessidade de autorização judicial. Atualmente, os embriões congelados por mais de três anos podem ser descartados mediante decisão dos pacientes.

Por isso, Isabela Guimarães diz que, na prática, a intenção do PL não é proteger o suposto direito à vida, mas restringir os direitos da mulher de exercer autonomia sobre seu próprio corpo. “O projeto pretende revogar os direitos ao aborto que já temos. Coloca em risco nossa autodeterminação e nosso direito à saúde, porque restringe a possibilidade de aborto mesmo nos casos de risco à vida da mãe. Esse PL reduz as mulheres a máquinas reprodutivas, que não têm sonhos ou autonomia. Aprová-lo significa garantir que o Estado controle o corpo das mulheres”, afirma.

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Por que é um risco para os direitos das mulheres

Em um país onde 17.316 meninas de até 14 anos foram mães no país somente em 2021, de acordo com dados do Ministério da Saúde, o Estatuto do Nascituro impediria também a realização de aborto em crianças vítimas de violência sexual. Vale lembrar que, de acordo com a legislação brasileira, qualquer prática sexual com menores de 14 anos é estupro e, portanto, crime. “O que o PL faz é legalizar o estupro contra crianças”, define Isabela.

A também advogada Izabella Borges, colunista de CLAUDIA, concorda que o projeto “atenta diretamente contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”. “Forçar meninas e mulheres a manterem uma gestação decorrente de um estupro ou forçá-las a gestar e parir um feto anencéfalo significa torturar essas meninas e mulheres”, diz ela.

Izabella acrescenta que a aprovação do Estatuto do Nascituro implicaria num aumento do número de abortos ilegais e, em consequência no número de meninas e mulheres que morrem durante o procedimento clandestino, ou seja, sem cuidados de saúde. No Brasil, essa é uma das principais causas de mortalidade materna. “Todos os anos, milhares de mulheres e meninas vulneráveis morrem por terem que recorrer ao aborto clandestino, principalmente as mais vulneráveis. Agora, o Estatuto do Nascituro quer tornar essas mulheres criminosas”, lamenta ela.

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As advogadas explicam, ainda, que o PL coloca o estuprador na categoria de “pai”, ao determinar que, se identificado, esse criminoso deverá pagar pensão alimentícia à mulher que violentou. Parlamentares contrários à proposta chamam-na de “bolsa estupro”. “Ou seja, a menina ou mulher estuprada é obrigada a manter a gestação, caso contrário, deixa de ser vítima e passa a ser criminosa. E, como prêmio de consolação, recebe um salário mínimo de seu algoz, vinculando-se para sempre com o homem que a estuprou”, resume Izabella.

“É um projeto violento em muitas camadas”, acrescenta Isabela Guimarães. Ela acredita que a votação do Estatuto do Nascituro abriria brecha para a apresentação de novos projetos de lei de cunho conservador e contrário aos direitos das mulheres. Considera, no entanto, que o futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que sancionou a Lei Maria da Penha, em 2006, estará alinhado à defesa desses direitos.

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