“Eu sou muito romântica, esse é meu problema”, diz a escritora chilena Isabel Allende, 75 anos, a CLAUDIA por telefone. A afirmação não faz jus ao enorme sucesso de seus livros ao redor do mundo. Afinal, as 23 obras –com 70 milhões de cópias vendidas em todo o globo– são fruto da combinação entre seu olhar sensível, sua mente sonhadora e sua história de vida repleta de desafios, muitas vezes, dolorosos.
Em “Muito Além do Inverno”, sua publicação mais recente, lançada no início de novembro pela editora Bertrand Brasil, ela mostra sua veia sentimentalista da maneira mais otimista possível. A frase “No meio do inverno, aprendi por fim que havia em mim um verão invencível”, do autor francês Albert Camus, não só dá partida ao romance, como permeia toda a história.
Nela, um acidente de trânsito entrelaça as narrativas de três personagens com históricos bem distintos. Em meio a uma nevasca no Brooklyn, o professor norte-americano Richard Bowmaster bate na traseira do carro de Evelyn Ortega, uma imigrante ilegal da Guatemala. A jovem foge do local, mas acaba batendo à porta do homem de 60 anos em busca de ajuda. Ele, então, recorre a sua inquilina, a chilena Lucía Maraz, 62 anos, para facilitar o diálogo com Evelyn.
Enquanto o enredo principal se desenrola, com os três encarando a tempestade de neve para tentar salvar a pele da imigrante em uma missão, de certa forma, criminosa, também conhecemos o passado de cada um. O caso de Evelyn, contudo, chama a atenção por ser inspirado na trajetória de uma das meninas que a escritora chilena, nascida no Peru e naturalizada norte-americana, atende na fundação que leva seu nome.
“Eu quis contar a história de uma refugiada porque as pessoas sempre apresentam o problema em números: 11 milhões de imigrantes sem documentos, 68 mil crianças que cruzaram a fronteira em busca de seus pais”, justifica Isabel. “Eles não significam nada. Você precisa saber o nome da pessoa, conhecer a história por trás dela. Isso o conecta com a verdade.”
Já a narrativa de Richard e Lucía encanta por ter uma ligação forte com o momento atual da escritora. Em meio à conturbada missão, os dois redescobrem o amor após ambos terem superado finais sofridos de relacionamentos e passarem por um período de forte solidão. “Nunca me amaram dessa forma, Richard, o amor sempre me chegou pelas metades”, desabafa Lucía em certo momento.
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Assim como eles, Isabel embarcou em um amor maduro recentemente. Pouco mais de um ano após se separar de seu segundo marido, ela recebeu um e-mail de um desconhecido que a ouviu na rádio. Depois de muita conversa virtual e de receber diariamente flores do pretendente, eles decidiram se encontrar no meio deste ano e, neste mês, seu amado Robert está de mudança para a casa da escritora. “Fui casada duas vezes, sempre tive um homem em minha vida. Mas só agora, aos 75 anos, eu sei o que é ser completamente amada”, declara.
No entanto, ela não rejeita a importância de seus casamentos anteriores, nem desvaloriza o amor expressado por seus ex-maridos. “Eu tenho certeza que meu primeiro marido me amava bastante, mas ele era uma criança. Nós éramos muito jovens, muito imaturos”, diz sobre o engenheiro Miguel Frías, com quem viveu junto por 25 anos. Já a união com o advogado e escritor Willie Gordon, que durou 27 anos, foi marcada por tragédias: ela perdeu uma filha, enquanto ele perdeu dois. “Nosso relacionamento era forte e bonito, mas não tivemos tempo para desenvolver e encontrar o amor”, confessa Isabel.
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“Então, agora, aos 75 anos, estou apaixonada novamente. E pela primeira vez estou com um homem que me ama da forma que eu sempre achei que o amor deveria ser”, compartilha. “Com comprometimento total, paixão, senso de humor, celebrando a nossa vida juntos e celebrando a mim.” Apesar do sentimento atual de completude plena, ela acredita que amores pela metade também valem a pena. “Estar sozinho pode ser muito triste às vezes. Então, desde que não hajam conflitos, é sempre gostoso estar em um relacionamento. É bom ter alguém especial em sua vida!”, celebra.
Depois de invernos longos, Isabel está vivendo o verão invencível da frase de Camus que abre seu livro. Experiente, ela dá dicas para quem ainda está enfrentando uma temporada de frio interior e sente como se o sol nunca fosse chegar deve fazer. “Não fique isolado, não se feche para a vida e para as pessoas. Apenas saia, conte sua história, converse com os outros. Comunique-se!”, sugere. A escritora sabe que é difícil enxergar o verão quando estamos no meio de um inverno, porém seu olhar romântico a faz ser esperançosa. “Nós precisamos saber que, se abrirmos nossos corações e dermos uma chance a ele, o verão vai estar logo ali, nos esperando.” Que seja mesmo sempre assim.