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Homens entram na Justiça para ter mais tempo de licença-paternidade

Eles acreditam que a licença de 20 dias com os filhos recém-nascidos não é suficiente para desempenhar o papel de pai na íntegra

Por Márcio Oyama
3 abr 2018, 10h39

Cresce o número de homens que rejeitam o lugar de coadjuvante nos cuidados com os filhos recém-nascidos. Em vez de ajudar em casa, eles querem dividir com as companheiras toda a responsabilidade pela criança, de igual para igual. Se a nossa legislação permite aos pais se afastarem do trabalho por até 20 dias, nos tribunais há homens que estão conseguindo licença de até seis meses.

Foi a saída encontrada pelo professor de pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg-RS), João Alberto da Silva, 38 anos, que perdeu a mulher quando a filha caçula tinha apenas 12 dias. “Ela começou a ter pressão alta no oitavo mês de gravidez, mas o nascimento da Alice, em julho de 2014, aconteceu sem problemas. Quando voltamos para casa, a pressão aumentou novamente e, com medicamentos, estabilizou. Na madrugada do 11º para o 12º dia, minha mulher sofreu um infarto e não acordou”, conta.

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(Lucas Siewert/CLAUDIA)

A primogênita, Anita, então com 2 anos, adoeceu com a perda repentina da mãe. Dos familiares, o professor ouviu o conselho de que deveria abrir mão da guarda das meninas. “Para mim isso nunca foi uma opção, embora as pessoas não acreditassem que eu fosse capaz de criá-las sozinho.” A própria direção da Furg fez uma proposta mais sensata, orientando o funcionário a entrar na Justiça com o pedido de liminar, já que a instituição não dispunha de amparo legal para conceder o afastamento remunerado de 180 dias. A decisão favorável saiu rapidamente, e João ficou em casa com as meninas, o que foi extremamente importante em um período de abalo para todos.

Ele afirma sentir na pele o peso da cultura machista, que empurra o cuidado com os filhos para a mulher. “Quando estou com as meninas, preciso me justificar o tempo todo. Sempre me perguntam: ‘Cadê a mãe?’, ‘Por que ela não veio?’ ”, revela. “Há uma estranheza permanente. Parece que é antinatural um homem cuidar de uma criança.”

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Claro que a situação de João é especial, mas o desejo dos pais de participar ativamente dos primeiros momentos dos pequenos é algo que deveria ser atendido pela Justiça e pelas empresas. Tatiana Moura, diretora executiva da ONG Promundo, que trabalha para promover a equidade de gênero, endossa o protesto. “Os casos de pais que buscam na Justiça a ampliação da licença-paternidade não deveriam ser exceção, e sim a regra. A desigualdade entre as licenças de maternidade e paternidade é consequência de outras desigualdades entre mulheres e homens que permanecem na sociedade”, explica.

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Além disso, existem evidências claras sobre o impacto positivo do envolvimento do homem no cuidado com os filhos, juntamente com as mulheres, em especial para a saúde materno-infantil, o desenvolvimento cognitivo da criança e o empoderamento feminino. “Há consequências positivas para a saúde e o bem-estar dos próprios homens”, diz Tatiana. “Essa construção de práticas de cuidado e laços de afeto se perpetua ao longo da vida e contribui, em médio e longo prazo, para o desenvolvimento de relações mais equitativas de gênero e para a diminuição dos índices de violência.”

Apesar das evidências a favor da licença estendida, há processos que terminam com recusa. O delegado Leônidas Cavalcante, 33 anos, de Porto Alegre, gozou de apenas 40 dias dos seis meses concedidos inicialmente. A primeira decisão – favorável – saiu em outubro, um mês depois do nascimento dos gêmeos Theo e Heitor, em 2017. Sua esposa, Christine Rondon, 30 anos, advogada, entrou com o pedido de liminar dois dias antes do parto.

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(Otavio Castedo/CLAUDIA)

No entanto, a União recorreu e conseguiu anular a licença até o julgamento. “Nossa sorte foi que ele pôde tirar férias e uma licença-prêmio no período. Então, somando tudo, ficou quatro meses em casa”, conta Christine. Segundo ela, a presença do pai foi fundamental para os meninos, principalmente nos primeiros dias, quando demandavam mais cuidados. “Ele só não amamentava. Fazia todo o resto”, diz ela. “Mas, infelizmente, ainda contamos com uma cultura jurídica antiquada, que deixa toda a responsabilidade para a mãe. Isso tem que mudar. A presença do pai e da mãe deve ser igual, em qualquer caso”, completa.

Susto semelhante tomaram o servidor público Paulo Renato Vieira e sua mulher, Talita Santana Pereira, ambos de 27 anos, de Florianópolis. Eles entraram com a ação judicial ainda durante a gestação das gêmeas Alice e Luísa, que nasceram em julho de 2016. A liminar foi negada e depois confirmada. A União recorreu, mas não teve sucesso – a decisão acabou mantida.

Paulo pôde passar 180 dias em casa, dividindo com Talita as dores e as delícias da chegada das primeiras filhas. “Nós dois éramos inexperientes com bebês e aprendemos tudo juntos. Com a licença, pudemos dar a atenção e os cuidados de que as meninas precisavam.”

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(Luana Patricio/CLAUDIA)

Paulo trocava fraldas, acompanhava a esposa na amamentação a cada duas ou três horas, se encarregava das tarefas domésticas, revezava com Talita o colinho das pequenas, acordava de madrugada com o choro delas… “Não tinha horário para mais nada”, relata.

O trabalho era árduo, mas, segundo ele, o que marcou mesmo foi o lado afetivo. “Criei um laço com minhas filhas desde o início. Para mim, foi mais importante estar perto delas e poder estreitar esse vínculo do que o lado material”, revela.

Por hora, as ações judiciais que pedem a extensão da licença-paternidade encontram jurisprudência (ou seja, decisões anteriores que embasam os pedidos) em duas condições: nascimento de gêmeos e ausência da mãe. “Quando se trata de filho único, ainda não existe a possibilidade do aumento do prazo”, explica o juiz federal João Batista Lazzari, relator do processo de Paulo e Talita. “Se há mais crianças, a Justiça já entende que a presença do pai no dia a dia, sobretudo nos primeiros meses, é essencial para assegurar maior atenção e proteção”, continua o magistrado.

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De cinco para 20 dias

Foi a Constituição de 1988 que estabeleceu no Brasil a licença-paternidade de cinco dias remunerados para qualquer trabalhador brasileiro. Em 2016, a então presidenta, Dilma Rousseff, sancionou o Marco Legal da Primeira Infância, ampliando o benefício para 20 dias aos funcionários de companhias participantes do Programa Empresa Cidadã (criado em 2008 para estimular a adoção da licença-maternidade de seis meses pela iniciativa privada por meio da isenção de impostos) e aos servidores públicos. De acordo com dados da Receita Federal, naquele ano havia 19 641 empresas cadastradas.

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Para muitos pais que trabalham nessas empresas, bastam 20 dias de licença. É o caso do gerente sênior Leandro Ortigoza Martins, de 44 anos, que teve o terceiro filho, Micael, em janeiro. “Foi a primeira vez que tirei 20 dias. Quando meus dois primeiros filhos nasceram, ainda valia só a norma dos cinco dias”, conta Leandro.

“Fez uma baita diferença, ajudou demais, principalmente porque os mais velhos estavam de férias, em casa, e também precisavam de atenção. Para mim, o prazo foi suficiente, não senti necessidade de mais.”

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Licenças-paternidade estendidas, equivalentes às licenças-maternidade, também têm sido concedidas pela Justiça quando ocorre a morte da mãe ou o abandono da criança por parte dela.

No primeiro caso, uma lei criada em 2013 concede ao pai o mesmo benefício a que a mulher teria direito se ele for trabalhador com carteira assinada. No caso dos servidores públicos, nem todos são contemplados.

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